domingo, 15 de agosto de 2010

Ficha Limpa: Um pouco de tinta para tentar esconder as fichas sujas das instituições burguesas.

Por Vinicius Pena

contato: ler-qi@ler-qi.or

No dia 4 de julho o presidente Lula sancionou sem vetos a lei de Ficha Limpa, aprovada anteriormente pelo Senado e pelo Congresso. A lei que surgiu da iniciativa do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), com mais de um milhão de assinaturas de apoio em petição pela internet, centra-se em tornar inelegíveis por um prazo de 8 anos as candidaturas de condenados por um colegiado (quando há mais de um juiz), mesmo em primeira instância e com uma lista indefinida de delitos que caracterizam a aplicação da lei, já que termina com um genérico “entre outros”.

Apesar de ser apresentada como uma medida “progressista”, a lei de Ficha Limpa representa na verdade, uma tentativa de recuperar o respaldo das desgastadas instituições políticas burguesas ao mesmo tempo em que permite um ataque aos trabalhadores e movimentos sociais que sofrem punições pelo justo exercício do direito de greve, de moradia e da terra. Grande parte dos dirigentes do MST não poderiam se candidatar, Claudionor Brandão do SINTUSP também não poderia, por punições relativas as combativas greves da USP, e de conjunto se proscreveria parte dos candidatos dos partidos de esquerda, como já se ameaça com o embargo da justiça ao candidato a vice-governador do PSOL em São Paulo, Aldo Santos, que foi condenado por apoiar o MTST em 2003 quando era vereador em São Bernardo do Campo.

Ilusões constitucionalistas para um período mais convulsivo

Conforme se aproxima a eleição presidencial, agudiza-se o debate em torno das dificuldades que enfrentará um governo pós Lula, ficando cada vez mais explícito que nenhum dos candidatos burgueses poderá cumprir o papel de estabilizador do regime alcançado no segundo mandato de Lula, tanto por seu papel para contenção da luta de classes como pelo crescimento econômico do período. A tendência à maior separação das diferentes frações burguesas, à maior instabilidade econômica com o aprofundamento da segunda fase da crise mundial e a falta de uma figura histórica para cumprir o papel de contenção e de agente apassivador dos trabalhadores e dos movimentos sociais, são contradições prováveis de um próximo mandato sem Lula.

No ultimo período, se por um lado vimos o fortalecimento do lulismo, respaldado no crescimento econômico e num reformismo precário, atingindo uma popularidade histórica de mais de 80%, o mesmo não podemos dizer do parlamento burguês, que cada vez mais cai no descrédito, entre escândalos cada vez mais constantes de corrupção, de fraudes e de favorecimento próprio, como os escândalos do Mensalão, dos Atos Secretos ou ainda o aumento descabido dos já altos salários dos políticos em plena crise mundial (só para citar alguns). O que a burguesia busca com leis como a Ficha Limpa é utilizar do sentimento popular de combater a corrupção para criar ilusões no conjunto da população e recuperar a legitimidade e respaldo ao Parlamento, tão necessária para a continuidade de sua dominação num período pós Lula que tende a uma maior instabilidade política, econômica e social.

Lênin, ao combater as posições de social-democratas de pactos eleitorais pós 1906 alentava que “a burguesia busca com todas as suas forças e por todos os meios possíveis, aproveitando as ocasiões que lhe oferecem para isso, por vendas nos olhos dos operários para que não vejam que as instituições burguesas são instrumentos de opressão de classe” [1]. As instituições burguesas são essenciais para a manutenção de sua dominação política. A busca por restabelecer um maior patamar de ilusão ao conjunto da população por meio de uma lei que parte de um honesto sentimento de repúdio à corrupção e às falcatruas e resulta em propor uma limpeza ética da política por meio das suas próprias instituições, não passa de uma quimera, condenando trabalhadores e lutadores mas livrando corruptos que podem utilizar suas influências e caros advogados para entrar com recursos.

A real ilusão está em acreditar que instituições como o congresso com seus políticos atrelados tanto ao interesse dos grandes empresários e do capital imperialista como aos das aristocracias regionais e dos grandes coronéis possa realizar uma auto-reforma ética e combater a corrupção; ou ainda que o judiciário possa julgar e condenar os grandes políticos e chefes do Estado burguês. A burguesia tenta esconder com uma leve mão de tinta a suja ficha de seus representantes e suas instituições, mas como esconder a sujeira na mão dos seus próprios pintores?

Uma Lei que possibilita um ataque as candidaturas de esquerda.

A atual legislação eleitoral dificulta a candidatura, a participação e a expressão das representações dos partidos de esquerda. Por sua vez, a lei da Ficha Limpa cria mais um impeditivo, afirmando que: “São também inelegíveis os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de oito anos após o cumprimento da pena, pelos crimes contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público, contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o meio ambiente, a saúde pública, o tráfico de entorpecentes, a redução à condição análoga à de escravo, contra a vida, entre outros delitos.” [2]

A resolução genérica referente às diferentes causas de condenações que impossibilitam candidaturas permite que perseguições e ataques políticos, como processo a grevistas e a lutadores e lideranças políticas e sindicais, impossibilitem suas candidaturas. Mesmo os itens especificados podem destinar ataques diretos aos trabalhadores, já que a lei defende os interesses de classe burguesa. Por exemplo: Um líder do MST pode ter sua candidatura impedida por ser acusado em primeira instância por crime “contra o patrimônio privado”; Um trabalhador da saúde em greve, pode ter sua candidatura impugnada ao ser processado por crime contra a “saúde pública”; Ou ainda, uma mulher que realizou aborto também pode ter sua candidatura impedida sob a alegação de promover “crime contra a vida”, e como já citado Brandão importante dirigente da USP não poderia se candidatar por condenação referente a greve da USP. Conhecidos representantes burgueses corruptos têm suas ditas “fichas limpas” para se candidatarem, enquanto muitos lutadores e lideranças de esquerda podem ter suas candidaturas impedidas por serem considerados “fichas sujas”.

A esquerda e suas ilusões democráticas burguesas

Parafraseamos mais uma vez Lênin, quando esse afirma ser necessário para os revolucionários “colocar, como pedra angular, o desmascaramento implacável das ilusões constitucionalistas e a revelação de todas as suas raízes” [3]. Porém, a esquerda pouco utiliza na prática esse importante ensinamento. Acabam por contribuir pouco para a experiência e a superação das ilusões dos trabalhadores na democracia burguesa e suas instituições, contribuindo muitas vezes para criar eles mesmos, novas ilusões.

O PSOL é um caso emblemático, ao não defender a tomada do poder pelos trabalhadores, e limitar-se a busca por um socialismo abstrato por vias das próprias instâncias do regime democrático burguês, acaba por contribuir com as ilusões de que é possível reformar a democracia por dentro das próprias instituições burguesas, não à toa seu parlamentarismo focando em CPIs para que os próprios parlamentares julguem a si mesmos, a defesa de um programa nacional desenvolvimentista e o apoio de seus políticos a projetos ditos “progressistas”, mas que resultam em ataques à classe trabalhadora, como foi na lei do Supersimples e repete-se agora na lei da Ficha Limpa.

O deputado do PSOL, Ivan Valente, em nota [4] afirmou que seu partido reconhece e aprova o projeto, assim como seu companheiro de legenda, o senador José Nery, que quando o projeto tramitava no Senado foi figura determinante para sua aprovação, segundo suas próprias palavras: “Pretendemos votar o projeto como veio da Câmara, se possível sem emendas” [5]. O PSOL rejeita os ensinamentos leninistas e acaba por considerar progressista e apoiar abertamente uma política nefasta que busca revitalizar o parlamento burguês e abrir brechas para as candidaturas dos trabalhadores e organizações de esquerda, mesmo sendo umas das primeiras vítimas da lei, que impugnou o candidato pela legenda, Aldo Santos, sob acusação de usar seu mandato como vereador em São Bernardo do Campo para dar apoio ao Movimento de Trabalhadores Sem Teto (MTST) em 2003. Ainda assim o PSOL insiste em defender a lei, argumentando que foi correto seu apoio, inclusive militante, para sua aprovação, e que o erro se deve a aplicação errada da mesma. A insistente confiança do PSOL na burguesia só pode levar a políticas nefastas.

O PSTU, apesar de defender em seu programa a necessidade da ditadura do proletariado, por seu centrismo, acaba por vezes, a também contribuir para a criação de ilusões nas instâncias burguesas. Nas eleições, tal como o PSOL nunca denuncia a democracia burguesa e os limites que essa impõe para que os trabalhadores e suas organizações participem livremente. Ao participar das eleições burguesas sem fazer esta crítica não contribuem a combater as “ilusões constitucionalistas”.

Sua atuação na luta de classes não é diferente. Exemplo disso foi o programa que levantou frente as demissões dos trabalhadores da Embraer (São José), onde limitou-se a esperar e pressionar as instâncias jurídicas, ao invés de combinar essa frente de atuação com uma grande mobilização de trabalhadores, numa cidade onde dirige grandes sindicatos como o dos metalúrgicos, não confiando assim, na força dos trabalhadores nem deixando claro para esses que sua mobilização poderia reverter as demissões. Ainda nas mesmas demissões dos trabalhadores da Embraer, entre as consignas que o PSTU levantava em seu programa estava à exigência a Lula que fizesse uma medida provisória (dispositivo que na ditadura recebia o nome de decreto lei) proibindo as empresas de demitir. Além de se apoiarem-se num mecanismo proveniente da ditadura, como os Decretos, o PSTU não ligou em nenhum momento a exigência à mobilização dos trabalhadores, e por isso não pode ser uma consigna que serviu para acelerar a experiência dos trabalhadores com o governo, como chegaram a argumentar. Significou na verdade o contrário, isto é, acabou por gerar mais confiança em Lula.

Não à toa o PSTU ou dialoga com as demandas democráticas de forma oportunista, levantando as demandas que as massas levantam, ou simplesmente as ignoram, principalmente se envolver uma denúncia do regime como a lei da Ficha Limpa, a qual não dedicou até agora uma única palavra.

Abaixo a lei da Ficha Limpa, por um programa independente em combate a corrupção

Frente a toda corrupção e podridão dos políticos e instituições da burguesia, é justo o sentimento da grande maioria da população de indignação, porém, a burguesia e suas tentativas de lei, como a lei de Ficha Limpa, que buscam revitalizar e reformar essas instituições com demagogias éticas, não passam de ilusões que buscam garantir a própria continuidade dessas mesmas instituições corruptas. A corrupção é inerente ao capitalismo, e por isso a burguesia é incapaz de apontar uma resolução efetiva para tal problema.

Contra a tentativa de atacar os trabalhadores e as candidaturas de esquerda travestida de lei progressista, os trabalhadores e as organizações de esquerda denunciar a demagógica lei de ficha limpa, defender as candidaturas da esquerda, dos trabalhadores e dos setores populares e convocar uma comissão independente de trabalhadores e sindicatos para investigar todos os verdadeiros corruptos, exigir sua punição exemplar e o confisco de suas propriedades.

Os trabalhadores não podem confiar no parlamento e nos representantes burgueses, sejam eles deputados, senadores, prefeitos, presidentes ou qualquer outra função, não podem solucionar as demandas e propiciar melhorias de vida para o conjunto dos explorados e oprimidos. É necessário que os trabalhadores se organizem de forma independente para lutar por suas demandas. A perspectiva de independência de classe deve se fazer presente também nas eleições, contra a demagogia das alternativas burguesas, os trabalhadores devem apoiar as candidaturas que onde a voz dos trabalhadores possa se fazer presente não para iludir ainda mais a nossa classe, mas justamente para denunciar o parlamento e suas instituições burguesas ferozmente, contribuindo desta forma para acelerar a experiência das massas e suas ilusões.

[1] LENIN, Ilusões constitucionalistas. Kairós. SP, 1985. Pag.68

[2] Retirado site Agência do Brasil - 05/05/2010

[3] LENIN, Ilusões constitucionalistas. Kairós. SP, 1985. Pag.67

[4] Veja a nota no site do PSOL

[5] Retirado do site do senador José Nery – www.josenery.com.br

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