segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

ARTIGO E COMENTÁRIOS SOBRE A LEI DA FICHA LIMPA.

A estupefação dos vestais: Sobre "Ficha Limpa"


http://idelberavelar.com/archives/direito_e_justica/

segunda-feira, 16 de agosto 2010

Os vestais da moralidade que formaram a base de sustentação cidadã da Lei “Ficha Limpa” estão estupefatos. Perplexos, constatam que a lei não mudou o Brasil! Que surpresa, os corruptos estão todos por aí! Já sancionada por Lula, a lei gerou 1.080 impugnações de candidaturas, 19 delas definitivas. Salvo desatenção deste blogueiro, nem um único dos mais visíveis apoiadores da lei até sua sanção—seja pessoa física ou jurídica--veio a público comemorar, saudar, aprovar ou celebrar em qualquer tom os resultados do “Ficha Limpa”. Suspeito que é porque os resultados são um desastre, e nem de longe autorizam a suposição de que encaminham o que os seus autores esperavam, ou seja, a tão propalada moralização da política (em nome da qual a coalizão de apoio ao “Ficha Limpa” aceitava dar uma pisadinha no Artigo 5o, inciso LVII, que estabelece a presunção de inocência na Carta da República).

O Supremo, claro, já avisou que vai dar uma protelada na palavra final, no que faz muito bem: a sociedade que permitiu que geringonça tão flagrantemente inconstitucional se impusesse como lei deve arcar durante algum tempo com as consequências. Os resultados práticos, até agora, são o que se sabe: Heráclito Fortes conseguiu liminar com Gilmarzão—de pouca monta, porque Heráclito vai perder no voto—enquanto que o vereador Aldo Santos, do PSOL de São Bernardo do Campo, que utilizou um automóvel da Câmara em apoio a um ato do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, num uso claramente legítimo do mandato, se encontra, no momento, impedido de concorrer. Paulo Maluf, claro, continua com a “Ficha Limpa”. É possível recitar um rosário de semelhantes inconsistências nos resultados do “Ficha Limpa” quase no país inteiro.

Como há muita confusão até hoje (maior entre os apoiadores do “Ficha Limpa”), é importante oferecer à leitura o texto da Lei Complementar n. 135/2010, e ressaltar que ela não retira a elegibilidade como consequência de condenações “em primeira” ou “em segunda instância”, posto que a lei não usa esse vocabulário da instância. Ela declara inelegíveis:

os que tenham contra sua pessoa representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado,

Ou proferida por órgão colegiado, bidu, é o pedacinho chave, claro. Para incontáveis brasileiros, um “órgão colegiado” pode ser a primeira instância. Qualquer prefeito que for a julgamento por improbidade administrativa já o será por órgão colegiado. É inacreditável, mas quase ninguém que apoiou o “Ficha Limpa” sabia que estava concedendo ao Tribunal de Justiça do Maranhão, por exemplo, a prerrogativa de facto de declarar unilateralmente quem é e quem não é elegível no estado. Coisa boa não podia dar. Legislavam para o Brasil como se estivessem legislando para a Holanda.

Depois de derrubado o argumento de que o Projeto—agora Lei--"Ficha Limpa” moralizaria, ou contribuiria para moralizar, a política brasileira, restaram três fundamentações principais audíveis por aí, todas bastante frágeis, me parece. Elas são: 1. o argumento de que mesmo que se considere a presunção de inocência como um princípio a se respeitar e se concorde que o “Ficha Limpa” a contradiz, há que se temperar esse princípio com outros, como a probidade e a moralidade do legislador ou executivo público; 2. o argumento de que a Lei não contraria a presunção de inocência porque ela não estabelece nenhuma pena, mas tão somente um critério de elegibilidade, algo assim como ser alfabetizado; 3. o argumento (no fundo uma variação mais tosca do anterior) de que não se está contrariando a presunção de inocência, posto que se trata aqui de uma matéria eleitoral e não penal.

Os sofismas em que repousam todos eles são visíveis. Começo pelo último, que é o mais primário: ora, se está sendo retirada a elegibilidade de alguém como base num processo penal em andamento, não adianta dizer que a Lei “Ficha Limpa” não estabelece que o cara vá em cana, mas só o declara inelegível, para daí argumentar que a matéria é só eleitoral e não penal. Evidentemente, se a perda de direitos ante a Justiça Eleitoral ocorre por causa de um processo penal, e se o raio do processo penal está em andamento, como é possível que se diga ah, não estamos desrespeitando a Constituição, pois não falamos aqui de matéria penal e sim eleitoral? A Lei “Ficha Limpa” concede poderes penais à Justiça Eleitoral antes da conclusão do devido processo penal. E aí seus apoiadores contra-argumentam dizendo que o babado não é penal, mas eleitoral? Caríssimo profissional do Direito e da Justiça apoiador do “Ficha Limpa”, se quiser me demonstrar que não há uma falácia, um sofisma aqui, sou todo ouvidos.

O segundo argumento (de que a Lei não contraria a presunção de inocência porque ela não estabelece nenhuma pena, mas tão somente um critério de elegibilidade, como ser alfabetizado ou ser brasileiro) também sofisma: ser alfabetizado ou não ser estrangeiro são características da pessoa e não têm qualquer conteúdo discriminatório como requisito de elegibilidade. Nós, como sociedade, através dos representantes eleitos para a Constituinte de 1986 (Carta de 1988) decidimos, por exemplo, que para ser presidente da República é necessário ser brasileiro nato, naturalizado não vale. Para ser Senador, é necessário ter pelo menos 35 anos de idade, para ser Governador, 30, etecétera. Tudo isso pode mudar por emenda constitucional, claro, mas é o que está lá no momento. Esses requisitos são coisas completamente distintas de uma condenação em uma instância da Justiça Eleitoral, algo da ordem da opinião de outrem que, enquanto não transitada em julgado, não pode acarretar culpabilidade ou retirada de direitos. É estapafúrdia a comparação entre ser brasileiro nato ou alfabetizado, por um lado, e a ausência de condenação provisória, em processo em trânsito na Justiça Eleitoral, por outro. Equipará-los como requisitos de elegibilidade é um exercício de comparação entre maçãs e naves espaciais.

Finalmente, o sofisma em que repousa o argumento 1 é de caráter temporal: ok, admite-se, a presunção de inocência constitucional é, sim, violada pela Lei “Ficha Limpa”, mas ela não é o único princípio presente na Carta. Há outros e, baseados na verdade incontestável de que não existe direito absoluto (na medida em que qualquer direito pode, hipoteticamente, entrar em conflito com outro, situação na qual o juiz terá que ponderá-los e decidir), teríamos que reconhecer que os princípios, por exemplo, da probidade e da moralidade do administrador público também deveriam entrar nessa ponderação e temperar o princípio da presunção de inocência, relativizando-o.

Mas mesmo que você aceite que a presunção de inocência deve ser relativizada, o argumento continua absurdo: pois se a falta de probidade e moralidade para administrar a coisa pública só pode ser declarada depois de encontrada a culpabilidade, e se esta por definição não pode ser declarada se o processo está em andamento, como é possível temperar o princípio da presunção de inocência com uma violação que ainda não existe, ainda não pode ser declarada existente de outro princípio? A Lei “Ficha Limpa” tampouco faz o menor sentido como ponderação de dois princípios constitucionais.

O blog saúda os que tiveram a coragem de se manifestar criticamente ante esse projeto desde o princípio, como Marco Aurélio Weissheimer e Túlio Vianna , e absolutamente não se surpreende com a estupefação dos vestais. Sabíamos, desde o começo, que o “Ficha Limpa” era primo do “Cansei” e do “Não reeleja ninguém”.

Como sempre é o caso nos posts sobre Direito e Justiça, são bem-vindos quaisquer profissionais da área que queiram me explicar se estou dizendo alguma bobagem. Tão bem-vindos como quaisquer outros que queiram opinar, já que a lei afeta a todos, na medida em que restringe nossa possibilidade de votar em quem queiramos. O blog esclarece que continua usando o termo "Ficha Limpa" entre aspas, mesmo depois de sancionada a lei, posto que segundo a Constituição do Brasil não há "Ficha Suja" até trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

PS: Estou gostando muito (por enquanto) do Formspring, e já deixei mais de 60 perguntas respondidas por lá. Há umas 40 na fila.

PS 2: Em poucas horas, a blogosfera deu uma resposta fulminante à "matéria" de porcalismo feita pela Revista Época sobre Dilma Rousseff. O blog Na Prática a Teoria é Outra fez um dos melhores posts do ano e para completar Celso emplacou o Por que votarei em Dilma Rousseff lá no Amálgama. Nada a acrescentar a esses dois brilhantes textos.





Escrito por Idelber às 07:11
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Comentários (65)



Comentários

#1

Pois é Idelber, este "Ficha Limpa"é um projeto com tons moralizadores simplesmente vergonhosos...

Escrevi sobre o assunto quando o aldo foi impugnado, simplesmente um absurdo! Foi a primeira - de muitas? - vítimas no Movimento Social. Confiar num supremo corrupto e em tribunais regionais ainda piores para definir de uma tacada só quem é "honesto" não pode ser coisa boa.

Como disse em um post sobre o assunto:

"O Ficha Limpa, desde o início, foi questionado pelos mais diversos movimentos sociais que temiam exatamente isto, a criminalização de quem luta.

Estamos diante de um verdadeiro crime. Enquanto Maluf sorri animado afirmando que irá concorrer - e não duvido que concorra, quantos juízes a figura não tem nos bolsos? -, um lutador é condenado por defender o povo. É a equiparação entre a corrupção e a luta social. Quem defende o MTST tem o mesmo destino de quem rouba, de quem mata, de quem usa seu mandato para enriquecer.

O Ficha Limpa foi vendido como a solução dos nossos problemas, mas mostra-se parte do problema.

O Ficha Limpa nasceu como uma proposta "moralizadora" e, como tal, cumpre seu papel, o de impor uma moral única, ultrapassada, capenga, a tod@s. Não nego a boa intenção de alguns, e não retiro a importância do projeto em, ao menos, criar uma certa atmosfera de apropriação pelo público das esferas decisórias do poder, mas o projeto foi severamente mutilado em sua passagem até a aprovação. Se criou uma atmosfera de maior vigilância da população um sentimento de poder popular, por outro pode trazer péssimas consequências."

http://tsavkko.blogspot.com/2010/07/ficha-limpa-faz-sua-primeira-vitima-no.html

Comentando seu "PS2", li o artigo do Porque Votarei em Dilma - aliás, eu escrevi o "porque votarei em Plínio Sampaio para o amálgama, se interessar: http://www.amalgama.blog.br/08/2010/por-que-votarei-em-plinio-sampaio/ e recomendo que leia o do Serra, um exemplo da mais completa falta de idéias e argumentos não só do candidato mas de seus eleitores - e, honestamente, mesmo não entrando no mérito dos argumentos, a idéia toda me passou um pragmatismo que, na política, não acho saudável.

Acredito em ideologia. Pelo que li no texto, tanto fazia votar em FHC, que o próprio autor considerou um bom presidente, ou no Lula e Dilma. Este tipo de pragmatismo é o que, pra mim, traz Malufes e mantém Serras e Alckmins vivos na política - além da usual ignorância, claro. Vota-se pelo que se pode ganhar, pesando supostos benefício (pessoais?) e não com a ideologia por trás, com a certeza da coerência não de votar num homem, mas numa idéia que permeia uma organização e tem uma história.

O texto é bom, mas toda a idéia me pareceu artificial.

Raphael Tsavkko em agosto 16, 2010 8:22 AM

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#2

Pois é, Raphael, e registre-se a ironia das ironias: o PSOL esteve entre os mais entusiasmados apoiadores do "Ficha Limpa".

Eu sei que a partir de determinado momento praticamente todos os políticos apoiaram o projeto, porque era suicídio político não fazê-lo. Mas o apoio do PSOL à ideia não era por conveniência, era por convicção. Ora, como dizemos por aqui, how could they not have known any better? ou, em bom português, como é que não apareceu ninguém da Secretaria do "Vai dar merda"?

Idelber em agosto 16, 2010 8:29 AM

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#3

Pois é, uma crítica que muitos dentro do próprio PSOL fazem e fizeram... Ouvi de algumas pessoas lá dentro algo sobre isto, muitos estão revoltados, outros acreditam que é o ônus. Até a pobre Erundina caiu nessa.

O PSOL é engraçado, começa a acordar para a realidade. Aquele sectarismo anti-PT está começando a diminuir em algumas tendências, ao passo que os do grupo da HH se apegam cada vez mais... Como o PT, o PSOL tem sérios problemas com suas tendências, mas a coisa por lá está bem séria. Como eu costumo chamar, é uma federação de pequenos partidos, antes de efetivamente um partido.

O pessoal do Revolutas era do time do "Vai dar merda", mas.... não tinham grande força. Agora estariam rindo, se não fosse trágica a situação, afinal, o Aldo é APS, tendência bem próxima.

Raphael Tsavkko em agosto 16, 2010 8:40 AM

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#4

Pois é, eu já fui contra o "ficha limpa", depois comecei a olhar mais simpaticamente e hoje acho mais uma das leis inócuas e feitas pra agradar a galera. Só queria botar um reparozinho no texto.

Sobre esse "pisão no art. V da CF" (acredito que esteja se referindo ao inciso LVII), acredito que se comete um excesso de interpretação do inciso. Ser privado de um direito (o de ser votado) não equivale, no meu entendimento, a ser considerado culpado pelo crime cometido. A chamada "ficha limpa" seria um critério de elegibilidade, assim como muitos outros existentes na lei eleitoral.

Recomendo fortemente a leitura deste texto da Lady Rasta, que analisa com muito mais propriedade o assunto:

http://ladyrasta.com.br/2010/05/18/ficha-limpa-vamos-ler-e-criticar-o-projeto-atual/

Vinicius Duarte em agosto 16, 2010 10:30 AM

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#5

Oi, Vinicius, obrigado -- bacana o texto de Lady Rasta. Sim, era ao inciso LVII a referência, como dito no texto.

Eu entendo a argumentação de que a privação de um direito não equivale à atribuição de culpabilidade. Apesar de entendê-la, eu ainda manteria a refutação a esse argumento (que basicamente é uma réplica do argumento 2 apresentado acima), posto que critérios de elegibilidade (alfabetização, cidadania, etc.) são características inerentes à pessoa, e não resultados da opinião de outrem, sem força de decisão, posto que ainda não transitada em julgado.

O caráter incomensurável da comparação ainda continua me parecendo claro. Abração e obrigado pela interlocução.

Idelber em agosto 16, 2010 10:41 AM

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#6

Idelber,

Sempre vi com grandes reservas este projeto de lei, justamente porque antevia que era possível haver muitos problemas na justiça eleitoral de alguns estados.

Quero ver como o STF vai se posicionar no futuro sobre o tema, até porque a interpretação que dá ao princípio da presunção de inocência em matéria penal flagrantemente contrasta com o espírito desta lei. Se caminhar para o argumento de que este é apenas um requisito pode até ser que consiga compatibilizar a questão, mas acho um tanto falho o argumento porque requisitos desta natureza me parecem que deveriam estar sendo previstos na Constituição, e não por lei infraconstitucional como você bem apontou. Preciso apenas estudar um pouco mais isto em matéria eleitoral, por desencargo de consciência, mas em tese me parece isto.

No mais, queria apenas fazer alguns pequenos esclarecimentos ao seu texto. O primeiro é de que a competência para compor os Tribunais Regionais Eleitorais não é apenas de magistrados do Tribunal de Justiça do Estado. Também juízes federais compõem o TRE, mas que eu lembro apenas um membro. E a competência da primeira instância é dos juízes estaduais. Há inclusive uma luta recente da AJUFE para aumentar nossa competência justamente sob o argumento de que direito eleitoral é matéria federal. Obviamente haverá briga porque o exercício desta jurisdição rende um acréscimo remuneratório razoável, mas sinceramente acho que o argumento procede e que arejaria a justiça eleitoral uma maior presença de juízes federais, principalmente em certos estados da federação.

O segundo é de que, em princípio, é sim possível haver uma condenação eleitoral sem o trânsito em julgado em processo penal. Do mesmo modo, pode um juiz ser aposentado administrativamente ou um servidor demitido em processo administrativo disciplinar sem que o processo penal a que eventualmente respondam pelo mesmo fato tenha sido julgado. Isto é chamado de independência de instâncias, sendo que somente em circunstâncias muito específicas o julgamento posterior penal reverteria a outra decisão anterior. Concordo que em matéria eleitoral, nesta altura "inês estaria morta", mas em teoria isto é sustentável.

Grande abraço

Paulo SPS em agosto 16, 2010 10:53 AM

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#7

Idelber,

Mantenho minha posição inicial: A Lei da Ficha Limpa foi uma mistura do nosso moralismo cristão-católico com o nosso ranço positivista. Quando uma concepção binarista de realidade - para a qual as pessoas se dividem devotos ("fichas-limpa") e pecadores habituais ("fichas-suja") - se une com outra que se funda num projeto mecanisista de desenvolvimento - para o qual tudo que não se enquadra no seu projeto de futuro deve ser esmagado pelo aparado normativo-judicial-policialesco -, temos a receita para cairmos no abismo.

Infelizmente, setores da esquerda apoiaram essa porcaria. Em especial, da esquerda católica, que sempre se destacou em subverter determinados aspectos do catolicismo tradicional, mas que esbarra num teto óbvio: No fundo, ela também partilha da particular e disfuncional perspectiva ética que trabalha em extremos de pureza nem sempre congruentes com a ação e o ser reais da vida em grupo - como ser contra a camisinha e propor celibato antes do casamento como forma de evitar a AIDS. Se para alguns setores oilgárquicos que apoiaram tal norma tal medida foi um forma de arrebentar de cara com seus adversários, a esquerda católica o fez da maneira mais bem-intecionada - mas tropeçou no seu purismo inocente.

Sobre o PSOL, sou um cadinho mais cético do que o Tsavkko: Creio que o partido tem um defeito grave, ele se funda numa concepção idealista que exige ter existido, algum dia, um PT perfeito e que ele tenha se tornado totalmente imperfeito durante o Governo Lula - esse PT jamais existiu da mesma forma que o PT de hoje também não é o inferno. Aliás, o disputismo interno que lá existe é decorrência da crença numa pré-destinação revolucionária evidentemente idealista - e purista. Daí, perde-se tempo tentando provar que os copos cheios pela metade que Lula deixa - uns um pouco mais cheios, outros mais vazios, apesar de que via de regra os primeiros prevalecem - são, na verdade, copos meio vazios - ao invés de assumir uma postura propositiva. Isso minou o partido ao longo dos quatro anos e fez pessoas como eu, por exemplo, se afastar dele.

abraços

Hugo Albuquerque em agosto 16, 2010 10:56 AM

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#8

Alvíssaras,

O texto mais brilhante e afiado, lúcido e certeiro, está de volta à internet brasileira.

E retorna em um momento capital, quando, pela primeira vez na história, é possível confrontar, em um pleito de alcance nacional, duas formas de pensar e executar políticas públicas completamente distintas.

As eleições que se aproximam são plebiscitárias, não há como fugir dessa característica. E você, Idelber, estava fazendo muita falta! Seja muito bem-vindo, arregace as mangas e ponha os dedos para trabalhar intensamente, a fim de recuperar o "tempo perdido" (rs, rs, rs)!

É muito bom tê-lo por perto. Reinaldinhos, Augustinhos e Mainardinhos, tremei!!!! Nosso Ogier está de volta!!!!

érico cordeiro em agosto 16, 2010 11:08 AM

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#9

Caro Paulo, muito importante o seu esclarecimento acerca da composição dos TREs, obrigado-- ainda que, como você destacou, em matéria eleitoral, a estas alturas, Inês já seria morta.

Hugo, minhas desculpas por não ter incluído o link ao seu excelente texto entre os de Marco e Túlio. Eu o li na época, no GReader, e achei perspicaz o que você nota a respeito da combinação entre positivismo e moralidade cristã. Obrigado por trazê-lo à nossa atenção aqui.

Salve o reino da hipérbole, Érico :-)

Idelber em agosto 16, 2010 11:08 AM

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#10

http://globonews.globo.com/videos/v/saiba-como-lei-da-ficha-limpa-ira-funcionar/1288706/#/programas/Espaço%20Aberto/page/4

Andre BH em agosto 16, 2010 11:16 AM

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#11

Eu considero que o Ficha Limpa não se sobrepõe à instituição penal, mas se aplica como um saneante em nossos costumes políticos. É claro que o TRE do maranhão, tendo acatado uma determinada candidatura posta em suspeição, deve ser contestado em instância superior, no TSE. É claro que há má aplicação da lei, com equivalencia entre as questões menores (Aldo Santos) e maiores (Paulo Maluf), mas qualquer lei contém lacunas ou merece leituras com interpretações diversas. Entre os males, o menor, ou seja, a Lei é servível, mas sua aplicação deve ser transparente e provocar o mínimo possível de contradições de entendimento.

marcos nunes em agosto 16, 2010 11:17 AM

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#12

O que parece uma inspiração democrático-liberal, na verdade é uma destruição da nossa "liberal democracia". Esse tipo de lei que se sustenta em "o meu viziho não sabe votar", mostra a pura arrogancia humana de que apenas algumas migalhas sabem votar. É preciso dar mais efetividade na luta contra a impuninade e corrupção, e não filtrar o voto do povo de forma autoritaria e inconstitucional. É necessario fiscalizar, julgar e condenar. É preciso mais informação e transparencia para acabar com a treta

hugoperpetuo em agosto 16, 2010 11:50 AM

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#13

Já eu defendo com unhas e dentes o Projeto Ficha Limpa me permitindo uma enorme discordância.

O meu motivo não vem carregado de nenhuma competência jurídica, mas sim de uma competência que me parece ser esquecida no teu texto, caro Idelber: a vontade de uma sociedade.

O projeto tem problemas? Claro que tem. Mas a vontade da sociedade nesta questão é problemática? Entendo que não. Em absoluto. Aliás, o TSE também entendeu assim, pelo que me consta.

Pax em agosto 16, 2010 11:55 AM

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#14

Deslocamento mais que justo do argumento jurídico para o argumento político-democrático, caro Pax, mas a minha dúvida é: houve realmente clamor "da sociedade"? Não teria sido uma parcela (significativa, respeitável, mas parcela) da classe média urbana brasileira que deu sustentação a esse projeto?

Do ponto de vista democrático, houve debate e deliberação suficientes para que concedêssemos à lei essa legitimidade plebiscitária? Acho que não, mas também aí sou todo ouvidos. Forte abraço.

Idelber em agosto 16, 2010 12:01 PM

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#15

Idelber,

Sou advogado e mestrando em Ciência Política na UFMG, e, mais imporatante, amigo de Kakau e Túlio Vianna.

Escrevo não para corrigir, por que se trata de uma divergência que, embora solucionada na prática jurídica, é motivo de discórdia na Teoria jurídica.

Princípios e regras não são ponderáveis em hipótese alguma.

Regras entram em conflito, e com isso uma delas é considerada revogada, de acordo com os critérios da Lei de introdução ao código civil e da Constituição da República. Portanto, não há ponderação.

Princípios, por outro lado, não entram em conflito, mas em concorrência. Tecnicamente falando são normas com aplicabilidade universal prima facie, sobra as quais se faz um juízo de adequação em relação ao caso concreto, e não um juízo de ponderação entre os princípios abstratamente. Isso por que como não existe hipótese de aplicação do princípio no conteúdo próprio do princípio, como ocorre com as regras, não se pode dizer que os princípios se contradigam abstratamente. Também não colidem no caso concreto, pois se trata de partir do caso, para chegar ao princípio, aplicando o mais adequado (Essa é uma decisão do juiz), sem ponderar (O que seria a atribuição de poder legislativo ad hoc ao juiz, como nos modelos Kelseniano mais antigo e Alexyano).

Na USP, Alexy tem bastante força, mas não nas escolas jurídicas de Minas, Paraná, Distrito Federal e Goiás. Os tribunais, por sua vez, não são Alexyanos ou Dworkinianos, ou qualquer coisa que o valha, eles são apenas tribunais, mas a mim parece que Dworkin chegou a uma descrição melhor do que eles fazem do que os demais.

Sobre a inconstitucionalidade da "Ficha Limpa", destaco também o argumento que usei em debate com meus colegas advogados. (A constituição aqui é entendida como "Comunidade de Princípios" que admite Direitos Fundamentais não enumerados, e não apenas como o texto declarado)

Partindo do pressuposto de que a toda lei carece de legitimidade, até que seja justificada, o que se não é universalmente aceito, é bastante razoável, podemos dizer que uma lei só é legítima quando a pessoa a quem é aplicada pode ser considerado seu co-autor, politica e moralmente falando.

Nesse sentido, se considerarmos a inelegibilidade, senão por questão de capacidade, como exclusão, ainda que parcial, do processo político que delibera sobre a validade da norma (processo que é permanente, já que toda norma pode ser revogada a qualquer momento), podemos considerar que, uma vez inelegível, a norma perde validade perante essa pessoa inelegível, e, numa opinião mais radical, a própria lei penal, que lhe imputa um crime, ou qualquer outra.

Portanto, não poderemos nem negar a candidatura com base na Ficha Limpa, nem mesmo condenar os candidatos inelegíveis posteriormente com base na norma penal.

A Ficha Limpa da curto circuito no ordenamento jurídico.

Atenciosamente,

Mateus M.Araújo

Mateus Araújo em agosto 16, 2010 12:15 PM

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#16

Caro Idelber,

Não houvesse o clamor da sociedade porque estar contra o projeto seria, então, um suicídio político? Em outras palavras e em bom português: claro que a sociedade quer e quer muito. Claro que a sociedade aplaude merecidamente o governo Lula mas tem azia com várias das alianças. Mais que azia, nojo mesmo. E como a reforma política não sai e nem tem ares de sair pois é um assunto de difícil entendimento, a forma encontrada foi o Ficha Limpa.

Depois da ditadura houve poucas mobilizações populares significativas. Aliás este é um péssimo subproduto da própria ditadura. Mas, voltando, tivemos o Diretas Já, o Fora Collor e o Ficha Limpa desde os anos 80 para cá. Não me lembro de outros tão significativos.

E aqui houve uma mudança social importante, a adaptação às novas tecnologias. Este movimento foi praticamente todo pela Web. E foi de uma monta tão grande como os outros dois citados, senão ainda maior.

Não entender o movimento é que me parece um erro. E aqui uso um outro contraponto ao teu ponto de "Não teria sido uma parcela (significativa, respeitável, mas parcela) da classe média urbana brasileira que deu sustentação a esse projeto?. Ora, o Diretas Já e o Fora Collor não foram exatamente assim? Claro que foram. Não nasceram nos rincões e nem no chão de fábrica e sim na classe média, como o Ficha Limpa. Foram, então, movimentos inválidos? Não representativos?

Um dos caras que mais leio na Web é o Túlio Vianna, um cara que respeito um bocado, mas nunca consegui concordar com sua contrariedade ao Ficha Limpa. Os argumentos defendidos pelos ministros do TSE sempre me pareceram mais fortes que os do Túlio nesta questão. Aliás, se você me permite um aparte respeitoso, seria de bom tamanho trazê-los para o questionamento jurídico do projeto, no qual não tenho competência para me meter.

Abração, meu caro, muito bom tê-lo de volta.

Pax em agosto 16, 2010 12:31 PM

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#17

Caro Mateus, obrigado por mais essa aula, em especial sobre a diferença de aplicação dos termos "conflito" e "concorrência" no sentido técnico neste contexto. Eu não tinha ideia.

Como não me havia ocorrido mais esse argumento que você destaca nos seus últimos parágrafos: há um curto-circuito, ou uma espécie de círculo vicioso, de aporia, que faz com que a lei repouse sobre um solo abismal, uma espécie de precipício lógico: ela desautoriza o sujeito que lhe autorizou como lei. Ela tem forma de um paradoxo. Se o entendi bem, fecho com você nesse raciocínio também.

No fundo esses posts são só pretexto para ir eu aprendendo com vocês, obrigado.

Idelber em agosto 16, 2010 12:39 PM

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#18

Oi, Pax, sobre pronunciamentos dos Ministros do Supremo, há o do Lewandowski, linkado no post, e há o do Eros Grau, que salientou a inconstitucionalidade. Não conheço outras declarações públicas de Ministros do STF.

Idelber em agosto 16, 2010 12:51 PM

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#19

Não falei do STF... falei do TSE. Este projeto já foi apreciado lá em pelo menos 2 ocasiões, respondendo a questionamentos públicos. A última vez acompanhei de cabo a rabo pela TV Justiça e foi muito bom.

Pax em agosto 16, 2010 12:58 PM

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#20

Ah, sim, o TSE, sorry. Bem, o link da matéria do Estadão com o Lewandowski continua valendo, já que ele preside o TSE no momento. Se alguém tiver mais links com apreciações de membros do TSE, são bem vindos.

Idelber em agosto 16, 2010 1:02 PM

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#21

Idelber, ótimo post. Estava dentro do grupo do PSOL que se opunha ao ficha-limpa, basicamente pelos motivos que vc aponta. Infelizmente fomos voto vencido. Vivendo e aprendendo...

Renata Lins em agosto 16, 2010 1:04 PM

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#22

boa tarde a todos.

Um ponto que queria ressaltar é que, a meu juízo, esta lei "ficha limpa", na prática, corrige uma excrescência do modelo político brasileiro: o "alargamento" do conceito de imunidade parlamentar.

Não sou jurista - sou economista - mas o que sei é que o conceito de imunidade parlamentar clássico é aquele que ressalta palavras, atos e ações realizados na vigência do mandato - basicamente, os chamados "crimes de opinião".

O problema é que aqui se alargou o conceito e temos sob sua 'proteção" corruptos, assassinos e correlatos. Aí surge esta lei para tentar minorar estes efeitos perversos.

Confesso que, na ausência da restrição da imunidade parlamentar, uma lei destas para candidatos com sentença transitada em julgado, sem direito a recurso, me atrai.

O que não se pode é ter casos como o do ex-governador Garotinho, que se candidatou a deputado federal unica e exclusivamente para ter direito, no caso dele, à impunidade parlamentar.

abraço forte

Pedro Migão em agosto 16, 2010 1:35 PM

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#23

Por mais problemas que tenham aparecido, o Ficha Limpa é um sucesso de público. Como o Lula, né?



Conrado em agosto 16, 2010 1:49 PM

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#24

Apesar do meu PCdoB ter apoiado o Ficha Limpa, inclusive com o Flávio Dino - que é bom jurista - argumentando em favor da lei, apesar disso eu fiquei contra desde o princípio, por razões bem semelhantes ao do seu post. É notável ver como certos políticos mais empolgados com o Ficha Limpa automaticamente passam a atacar adversários tornados inelegíveis por essa lei como sendo "ficha suja". Esta aí o linchamento moral.

Elton Castro em agosto 16, 2010 2:30 PM

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#25

Hugo, como ja conversamos antes, eu discordo de sua análise. O PSOL ñ acha que o PT era puro e etc, mas que tinha uma ideologia, e a abandonou. Eu não chego a concordar totalmente, mas acredito uqe o raciocínio vale para a direção, embora a militância ainda se apegue ao PT de Esquerda.



De fato, como já escrevi, o PSOL peca, na vdd erra feio, em criticar de forma sectária o PT, mas é compreensível e alas estão começando a enxergar o erro. É esperar para ver, mas por outro lado o ódio que muitos petistas tem do PSOL é irracional e apenas ajuda a dividir ainda mais. Há estupidez de ambos os lados.

Raphael Tsavkko em agosto 16, 2010 2:57 PM

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#26

O blogueiro pode ter razão na inconstitucionalidade da lei (não tenho conhecimento para avaliar) e, principalmente na sua ineficácia, mas ela não é diferente de outras tantas leis bem intencionadas que, na prática, ou não funcionam ou têm efeito oposto ao desejado.



Agora, daí a ironizar o que ele chama de vestais me parece que é atitude bem típica de petistas donos da verdade, para quem qualquer coisa diferente da idolatria a Lula e ao governo é reacionarismo, direitismo, etc e tal.



A identificação com a "classe média" (e a desqualificação implícita) também é bem típica dos petistas donos da verdade (que, em sua maioria são classe média também), esquecendo, como foi comentado aqui, que foi a mesma classe média que se manifestou em diversos momentos críticos da história recente e, inclusive, quem acabou elegendo Lula, e antes dele, diversos petistas por aí afora.

O movimento ficha-limpa foi uma resposta talvez desesperada à omissão sistemática de todas as instâncias de poder em fazer alguma coisa pra melhorar nossos costumes políticos. Se o resultado não foi o esperado, ou, pior, se resultou numa lei ruim, não é culpa de quem se mobilizou pela questão. Daí que criticar a lei é necessário, mas desqualificar as pessoas que lutaram por ela não leva a nada construtivo.

wagner em agosto 16, 2010 3:00 PM

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#27

Idelber,

Muito bom ter de volta o biscoito, um dos melhores blogs da internet. Estava fazendo falta.

Quanto ao assunto em discussão, tenho opinião formada desde a proposta da ficha limpa, no mesmo sentido da sua: trata-se de lei manifestamente inconstitucional.

Ainda que não fosse, não teria relevância alguma no propósito de afastar da política elementos corruptos. Primeiro, pelo mais óbvio dos argumentos: os grandes corruptos jamais são submetidos a processos judiciais limpos, que terminem em condenações efetivas. Temos inúmeros exemplos disso. Segundo, porque as eleições, como é elementar, são um processo político, e a política não se resolve na Justiça, embora a judicialização dela ocorra cada vez com mais frequência. O Poder Judiciário não se coloca no seu devido lugar, e de alguma forma (proposital, digo eu) traz para si decisões que não lhe cabem. Não é a toa que na era Marco Aurélio e Gilmar, o Supremo tentou investir-se em poder supremo da nação, a última palavra em praticamente tudo que ocorria no país. Exemplo disso o caso Batistti.

O ficha limpa é apenas mais uma tacada nesse sentido, posto que, como disseram vários comentaristas acima, leva para TREs, TSE e para o STF o absurdo direito de dizer quem pode ou não pode se candidatar, passando por cima da Constituição e se tornando um verdadeiro poder ditador.

zuleica jorgensen em agosto 16, 2010 3:08 PM

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#28

Idelber,

Agradeço pelo post.

Eu era consciente da violação ao princípio da presunção da inocência. No entanto, considerava que o objetivo justificava a regra (que droga, nunca fui adepto do "os fins justificam os meios", e agora me ferrei).

E aí leio suas ponderações, me fazendo lembrar que, se não há uma sentença condenatória transitada em julgado, não há porque falar em condenação.

Eu precisava disto.

Jackson Filgueiras em agosto 16, 2010 3:13 PM

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#29

Se considerarmos que um princípio jurídico é uma diretriz que guia tanto a feitura de leis quanto o proferimento de decisões judiciais, e que devem em cada caso ser comensurados com os demais princípios para verificar se o preenchimento de sentido infraconstitucional corresponde com o sistema constitucional, não podemos considerar que a presunção de inocência é um PRINCÍPIO, mas desde já REGRA constitucional. Porque seu conteúdo já está plenamente esgotado pela norma constitucional, ele não precisa ser sopesado com outros princípios. Veja, dizer que alguém não será culpado se não por sentença transitada em julgado é bem diferente de postular um princípio abstrato de isonomia ou de moralidade, por exemplo. Aquele já tem o sentido dado, este depende de preenchimento e verificação caso a caso. A presunção de inocência é, assim, uma regra subjacente a um princípio mais abrangente, o do devido processo legal. A constituição já deixou preenchido o sentido do devido processo legal, pelo menos nesse aspecto, com tal regra. Ou seja, entre o "Ficha Limpa" e a presunção de inocência não existe conflito de princípios, mas de regras; e nesse tipo de embate o critério não é o de manter os pólos do conflito os mais hígidos possíveis, conciliando-os, como se pretende ao se sopesar a presunção de inocência com o princípio da moralidade. É bem mais simples: a regra de hierarquia superior suplanta a de hierarquia inferior. A presunção de inocência, REGRA constitucional, portanto, suplanta o "Ficha Limpa", regra legal. Simples.

Felipe em agosto 16, 2010 3:16 PM

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#30

Apesar de achar que a distinção entre regras e princípios não é tão simples quanto parece, tendo a concordar com o Felipe: no caso em tela, a presunção de inocência é regra.

O Ficha Limpa é uma piada. É uma reivindicação da "sociedade"? Quem elege os "fichas sujas" não compõe a sociedade? São bárbaros? Nada como precisão semântica: o "ficha limpa" é, no máximo, uma reivindicação de certos setores da sociedade civil organizada. A idéia que o move pode até ser legítima - ninguém duvida das intenções de um Renato Janine Ribeiro ou de um Flávio Dino, por exemplo -, mas de boas intenções o Inferno tá superlotado.

Alexandre Nodari em agosto 16, 2010 3:30 PM

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#31

Não sou um especialista da áreao que você convocou, e por isso mesmo me move a força da percepção do povo que não aceita esse conceito de presunção de inocência radicalmene pois vê que é através dele que as chincanas promovem a injustiça de beneficiar o esperto (quase sempre corrupto) em detrimento da moral e dos bons costumes. Se para mudar esse estado coisas, pelo menos na política se faça uma interpretação mais elástica do conceito. O Povo irá aplaudir, sem dúvida, e a Justiça estará sendo feita.

Nelson Mosquera em agosto 16, 2010 3:32 PM

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#32

Nelson: quem é esse "Povo" que quer? O "Povo" é contra o desarmamento da população civil, é a favor da pena de morte, contra o aborto, foi a favor da ditadura, e acha que Nardoni nem merecia ser julgado. Tem certas coisas que não se aferem por pesquisas de opinião ou plebiscitos. E é bom que assim seja. A simplificação realizada por pesquisas de opinião e (alguns) plebiscitos reduz a complexidade das questões, e convertem em contingencialidade um problema estrutural - essa simplificação é uma espécie de "liquidificador mental", para parafrasear Osman Lins: converte um monte de fatores pastosos em uma massa pastosa fácil de digerir.

Alexandre Nodari em agosto 16, 2010 3:44 PM

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#33

Com o adendo de que, se fizéssemos um plebiscito hoje, com amplo espaço para que a sociedade debatesse, eu tenho lá minhas dúvidas se a maioria em favor do "Ficha Limpa" seria tão acachapante assim.

Mesmo que fosse, como diz o Alexandre, isso não seria argumento definitivo que autorizasse uma legitimação plebiscitária da lei.

Idelber em agosto 16, 2010 3:50 PM

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#34

O blog recheia o post com ressalvas de que outras opiniões são mais que bem vindas, que correções de especialistas são bem vindas também, e alguém conclui que "a identificação com a 'classe média' (e a desqualificação implícita) também é bem típica dos petistas donos da verdade". Como não ser "dono da verdade" segundo esse raciocínio? Argumentar e pedir desculpas enquanto se argumenta?

Ora, a menção da origem de classe média do fenômeno é só isso, uma explicitação da sua origem, porque alguns dos defensores da lei gostam de se referir a ela como "vinda do povo". Do "povo" não, peralá. De um setor dele. Não menos legítimo que qualquer outro setor da cidadania, mas só isso, um setor (ver a minha interação com Renato Janine Ribeiro, no blog do Nassif, link oferecido no post). É o mesmo setor que sustentou "Cansei" e "Não reeleja ninguém": uma coalizão um pouco mais ampla que as destes dois, pero no mucho.

Comparar a dimensão de mobilização popular das Diretas Já com a do Ficha Limpa me parece até cômico. Esperemos que o Ficha Limpa coloque um milhão de pessoas na Praça da Sé, aí a gente conversa sobre a comparação. Nem mesmo com a mobilização Fora Collor ele pode ser comparado.

É um movimento que mobilizou uma base muito mais restrita. Reitero: não menos cidadã por isso, mas nem de longe comparável aos dois exemplos citados.

Idelber em agosto 16, 2010 4:11 PM

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#35

Idelber, acho que o Ficha Limpa seria aprovado sim. Em uma escolha simplista do SIM ou NÃO, quem vai ser contra a idéia de que os candidatos tem de ter uma "Ficha LIMPA". O nome da bagaça já é um indutor. Ninguém quer ser a favor de candidatos de ficha SUJA. Os significantes aqui fazem a diferença - como fizeram no plebiscito sobre o desarmamento, dominado pela retórica do "a lei vai desarmar os cidadãos de BEM e deixar os BANDIDOS armados".

Alexandre Nodari em agosto 16, 2010 5:44 PM

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#36

Não consigo evitar achar hilariante sempre que vejo alguém "de esquerda" agarrando-se firmemente ao supergarantismo jurídico - que, afinal, nada mais é do que os princípios liberais iluministas levados ao extremo - quando esta é a escola a que se filiam grandes baluartes do Direito como Gilmar Mendes e Fernando Capez.

Ainda não tenho opinião formada sobre a lei - no momento, ela me parece ser apenas mais um texto mal-escrito somado a um punhado de boas intenções, ou seja, dentro da receita brasileira para uma norma ineficaz. Aliás, até que a jurisprudência se assente (ou a declare inconstitucional), acho bastante difícil fazer julgamentos de valor - esse é um dos casos em que a forma como ela será aplicada é mais importante do que as vagas linhas traçadas pelo legislador (por exemplo: Tribunais de Contas entram no conceito de órgão colegiados, mesmo não integrando o judiciário?)

Quanto à grita acerca da "inconstitucionalidade" da lei, gostaria apenas de perguntar aonde na Constituição está escrito que "a ninguém, em hipótese nenhuma, será imposta sanção de qualquer natureza antes do trânsito em julgado da sentença condenatória" - deduzir isso a partir de "ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença condenatória" é um salto lógico que não me atrevo a fazer. Aliás, ressalte-se que o Brasil é o único país onde a "presunção de inocência" - visto como princípio absoluto e irredutível -impede o recolhimento à prisão após a condenação penal em primeira instância.

O fundamento da lei em questão é o mesmo que fundamenta a prisão preventiva: a supressão de um direito individual devido a um risco (real ou imaginário) de grave lesão percebido pela sociedade. Como a lei da "ficha limpa" poderia ser inconstitucional e a prisão processual não?

Igor em agosto 16, 2010 6:10 PM

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#37

Colocar um milhão nas ruas apoiando o Ficha Limpa ?

Moleza, é só ter o apoio de todos os políticos importantes do país, além de artistas populares, jornais e TVs, como aconteceu com as diretas já e o fora collor.

wagner em agosto 16, 2010 6:17 PM

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#38

Idelber, eu linkei o meu post para ilustrar melhor a ideia do comentário, que escrevi na pressa e poderia passar de forma rasa sobre o que eu queria dizer, mas expus de melhor forma lá - muito obrigado pelo elogio.

Tsavkko, o PSOL reivindica ser herdeiro de um "PT das origens" que nunca realmente existiu para ter se perdido, sua fundação se assenta sobre a segurança e a esperança de um passado ideal, isso é muito ruim - evidentemente, lá dentro existem correntes e pessoas bem razoáveis que não repetem esse discurso perigoso, mas não sei até que ponto elas contam; o que aconteceu nesses últimos quatro anos é bastante emblemático nesse sentido.

Alexandre: Perfeito, meu velho. Clamor da turba não. Isso não pode ser aceito como fundamento político de uma Lei - pelo menos não numa Democracia. O Fascismo tinha muito disso. Por aqui, pela mesmo (i)lógica, teríamos pena de morte - Janine? - entre outras coisas.

abraços coletivos

Hugo Albuquerque em agosto 16, 2010 6:41 PM

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#39

Igor: O que a Constituição não diz é porque não existe no nosso Direito - a diferença entre as normas constitucionais e a normas infra-constitucionais, segundo Bobbio, é de que enquanto as segundas obrigam, proíbem ou permitem, as primeiras estabelecem (inclusive aquilo que permite a existência das normas infra-constitucionais). Tudo que não está, por exemplo, no Código Penal ou na legislação penal esparsa pode, mas o que não está na Constituição não existe. Podemos discutir se isso está certo errado, mas o entendimento que prevalece é esse - e para mim faz algum sentido sim.

abraços

Hugo Albuquerque em agosto 16, 2010 6:47 PM

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#40

Igor: "os princípios liberais iluministas" - Isso quer dizer exatamente o quê? Se por "liberal" v. quer dizer a defesa da virtude através da censura - de Locke a Montesquieu, chegando até mesmo ao anti-iluminista Rousseau, é uma máxima que aparece sob diferentes formas ("private censure", censura pela "opinião pública", etc.), mas que tem uma idéia comum - a de controlar a esfera da ação que a lei não atinge - e que vem dos absolutistas (Hobbes, Bodin) que, supostamente, os iluministas combatem. Marquês de Pombal - e uma penca de outros déspotas esclarecidos - se via como um "iluminista". Os "princípios liberais iluministas" não existem, simples assim.

Alexandre Nodari em agosto 16, 2010 7:16 PM

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#41

Hugo: Aonde, exatamente, estamos discordando? Meu ponto é justamente que não há, na Constituição, nada que estabeleça que uma sanção não possa ser imposta antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. Não significa atribuir culpa, mas impor determinada consequência jurídica à determinado fato ligado a certa pessoa.

Igor em agosto 16, 2010 7:19 PM

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#42

Alexandre, e não se pode esquecer que o Dom Pedro I foi conservador aqui e em Portugal foi a bandeira do liberalismo contra o conservadorismo de DOm Miguel. Esta discussão é importante porque geralmente os princípios vem se mostrando na atualidade como uma instrumentalização excessiva do Direito.

Não digo que o Ficha Limpa tenha chegado lá, mas é um passo no caminho dos sonhos para juntar as normas aos fatos, ou, como fica mais bonito, deixar o direito a par da sociedade. Dizer que o povo quer o ficha limpa passa por isso. Supõe-se que tenha essa urgência fática que justifica uma instrumentalização da Lei. Mas, como diz o Idelber, que grande mobilização foi essa.

Resumindo: cria-se um pretexto de crise, de fatalismo para se justificar uma utilização menos regrada do Direito. Pergunto-me então: enquanto se debate sobre essa 'crise ética' será que ela de alguma forma não é criada? Será que a necessidade ou a urgência que justifica a ruptura da legalidade em nome da facticidade não tem um quê de artificial? E, fora isto, será que quem tem todo o aparato estatal na mão para fazer uso desta instrumentalidade (justificada pela necessidade) e usar o aparato do Direito para outros fins que não a legalidade seria realmente este suposto povo que quis o ficha limpa? Novamente se dá ao judiciário a chave para a 'mudança social'. São esses que poderão decidir quem será ou não até mesmo o presidente da República ao se condenar em primeiro grau um político, por exemplo rival. Sem falar do processo parlamentar também. E não há como se desconsiderar que haja sentenças das mais absurdas possíveis

Muito se critica a impossibilidade da Lei conduzir a sociedade, mas não se leva em consideração o outro lado: a falibilidade humana. Não é que o Ficha Limpa seja o fim da legalidade, mas tem uma legitimidade discutível e efeitos também não tão certos. E sobretudo é mais uma tendência de tornar o Direito mais casuístico através de discursos de necessidade. Para mim é nisso que acaba um ordenamento que cada vez mais prima pela 'normatividade direta dos princípios', (do qual os grandes gurus são Eros Grau ou Gilmar Dantas, baluartes da cocada preta)havendo um maior link entre o Direito e a Moral, as normas e a sociedade, sendo a Lei coisa feia. E sobre juntar Direito e moral, qual é a moral do brasileiro? certamente o jeitinho

Leonardo D'Avila em agosto 16, 2010 7:48 PM

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#43

O brasil tem 190 milhões de habitantes...mas O POVO que clama pelo ficha limpa é formado por pouco mais de 1,6 milhão influenciados pelo nomezinho marketeiro.

aiaiai em agosto 16, 2010 8:05 PM

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#44

Igor: Aqui: Onde está escrito que alguém será sancionado antes de ser considerado culpado - levando em consideração que o devido processo legal é princípio constitucional - ?

Hugo Albuquerque em agosto 16, 2010 8:23 PM

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#45

Interessante. Quanto a presumibilidade de inocência, alguém pode me explicar então porque o José Dirceu e o Roberto Jefferson tiveram seus mandatos cassados e estão inelegíveis se o processo do mensalão ainda não foi julgado? Ou ainda, alguém pode me explicar porque para um cargo no setor público é exigido "ficha limpa" para o mero trabalhador?

NRA em agosto 16, 2010 8:46 PM

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#46

Prezado, o entendimento atual é de as ações por improbidade contra prefeitos são julgadas, de início, na 1a instância, isto é, por apenas um juiz. Abraço, Renato

Renato Soares de Melo Filho em agosto 16, 2010 9:22 PM

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#47

Idelber, eu enxergo algumas outras coisas. Postei há um tempinho lá no meu blog...

O principal argumento dos que defendem a lei é o de que ela impediria que pessoas já condenadas pela justiça pudessem ser elegíveis, o que, segundo esse pensamento, melhoraria o nível dos ocupantes do Legislativo e do Executivo, moralizando a política. Ora, eu não vejo como proibir que se elejam pessoas condenadas por determinados crimes possa significar, efetivamente, uma moralização política, pelo simples fato de que os futuros eleitos continuarão tendo todas as facilidades existentes hoje para roubar, desviar, corromper, fraudar, etc.

Sem um combate aos mecanismos da corrupção, qualquer um pode ser cooptado. Acho que não é necessário frisar que uma pessoa que nunca foi condenada pode, obviamente, já ter praticado atos ilícitos, sem jamais ter sido pega. A lei deveria se preocupar, por exemplo, em endurecer as penas existentes para os corruptores. Ninguém discute, na imprensa, o papel dos corruptores, das grandes empresas sonegadoras, das que ajudam a fraudar o INSS e licitações.

Quando se descobre um grande escândalo de corrupção, os holofotes logo se viram para os políticos, deixando a penumbra para as grandes empresas financiadoras do escândalo. É um tanto óbvio, onde há corrupção, há sempre dois grandes lados interessados. Os que irão facilitar a mamata - geralmente políticos ou funcionários públicos ligados a estes - e os que estão interessados na mamata - as empresas interessadas em prestar obras e serviços para o governo, a preço de ouro, por exemplo. Que as leis e a fiscalização sejam mais duras também com os corruptores, isso sim seria legítimo e diminuiria os casos de corrupção no Brasil.

Outro ponto é a excessiva judicialização do Brasil. Tudo é proibido por lei. Fumar é proibido, abortar é proibido, outdoor é proibido - ao menos aqui em Sampa - enfim, tudo passa pela letra morta da lei. Os espaços de discussão, reflexão e acordo mútuo são cada vez mais raros. A democracia, portanto, esta se tornando cada vez menos participativa. O Judiciário fica cada vez mais forte. E isso é um perigo muito grande. O poder judiciário, ao contrário do que a imprensa e os próprios juízes alardeiam, de isento não tem nada. Como tudo em qualquer sociedade, é exercido por pessoas que tem suas próprias convicções políticas, religiosas e morais. Logo, decisões políticas podem ser tomadas a partir de convicções religiosas, e assim por diante.

Portanto, quanto mais dependermos do judiciário para tomar decisões políticas, pior. O poder emana do povo, e o povo coloca no poder quem ele quiser. Na verdade, sabemos que a coisa não funciona assim, o querer do povo é influenciado por questões que não deveriam fazer parte de um estado laico, como a eleição de bancadas evangélicas. Também é influenciado por interesses das grandes empresas de comunicação de massa. Mas, em última instância, se mesmo com todas as campanhas anti-drogas e o combate ao narcotráfico, o povo quiser eleger um traficante para vereador, em tese é porque o considera mais apto a resolver os seus problemas do que o almofadinha da juventude do DEM. Isso é democracia. O resto é tentativa de manter o poder nas mãos dos mesmos que aí estão, há séculos.

Ainda há outra questão, fundamental. Recorre-se a uma lei, tida como de iniciativa popular - o Cansei também era de iniciativa popular? - para impedir que pessoas que foram condenadas pela própria justiça possam se candidatar. Há um paradoxo nessa ideia. Quando alguém é preso, há razões para isso. Ele desrespeitou leis que o levaram à prisão. E há propósitos para o cumprimento da sentença. Um, é punir o indíviduo. Outro, é o exemplo que é gerado para os outros cidadãos - "- Olhem o que acontece com quem não respeita a lei!" - e o último, pelo menos no Brasil, é recuperar o infrator. Oras, a partir do momento em que não se tem confiança alguma de que o infrator irá se recuperar, faz-se uma lei impedindo que ele possa se eleger. O paradoxo é que não se confia na Justiça para uma coisa, mas recorre-se a ela logo em seguida, para remediar a primeira. Não é compreensível. Ou a justiça funciona, e punimos e recuperamos os infratores que servem de exemplo de como não agir para o restante da sociedade, ou a justiça não funciona. Se não funciona, que não se recorra a ela, em seus mesmos termos.

Para não eleger corruptos ou condenados, se essa for a decisão do eleitor, que ele vote em quem não é. A gente precisa, urgentemente, fazer política: conversar, debater, educar, cobrar os políticos que elegemos, denunciar as falcatruas na política e na imprensa e daí em diante. Sem isso, nada muda, com ou sem o ficha limpa.

David Neto em agosto 16, 2010 9:42 PM

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#48

Viva a volta do biscoito! Estou tão feliz!

Mas colocando as alegrias de lado, num argumento um pouco legalista demais, a Lei da "ficha limpa" desrespeita sim o princípio da presunção de inocência previsto na Constituição...Se a lei brasileira tem uma presunção de inocência muito ampla, é a lei, e deve ser respeitada.

Essa lei sempre me cheirou - e aqui tomo emprestada a idéia do Hugo Albuquerque - a mais um exemplo do hiper-mega-positivismo arraigado em nossa cultura; nossa vontade de legislar sobre tudo, achando que a letra da lei vai resolver todos os problemas do Brasil. Esta sanha "legiferante" é uma das causas da lentidão da justiça, e só serve a uma elite que alija a grande maioria da sociedade em nome de leis mal-redigidas, ambíguas e inúteis.

Não há lei da "ficha limpa" que resolva o problema do sistema político brasileiro, que é firmado no "carguismo", no "favorismo" e no "toma-lá-dá-caismo". Não importa o partido que esteja no poder...o excesso de cargos comissionados (para os quais não há quaisquer exigência de probidade), as emendas parlamentares, todas essas benesses que se perpetuam desde muito permeiam todo o corpo político...

O Bornhausen tem a ficha limpa, e lá está ele escolhendo o presidente do sei-lá o que em São Paulo ou Santa Catarina. O Sarney indica até embaixadores. O que adianta impedir que o cara que superfaturou o galinheiro de concorrer nessas eleições se os lobos que fazem a guarda continuam atuando nos bastidores...Pobre Brasil!

Raphael em agosto 16, 2010 9:43 PM

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#49

Tô com o Raphael nessa: pra além da questão jurídica de sua constitucionalidade (que, ao fim e ao cabo, como disse o Leonardo, ficará aos cargos dos nossos nobres magistrados), o Ficha Limpa é um "substitutivo" (pra usar o jargão do legislativo) pra reforma política. É "mudar" para não mudar, "moralizar" para não moralizar, em suma, é jogo pra torcida. Abraços

Alexandre Nodari em agosto 16, 2010 10:50 PM

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#50

A mim me parece que a própria emergência de um debate eminentemente jurídico em torno de algo como o Ficha Limpa depõe contra a sua contundência política, isto é, contra a sua suposta relevância para a democracia. Nesse sentido, sempre fechei totalmente com os que consideram essa lei uma manifestação da despolitização no Brasil (e, em paralelo, da judicialização da política). A essência do Ficha Limpa é a especulação sobre a moralidade dos nossos líderes. Boa parte desse ímpeto moralizador, camuflado de "vontade popular", vem diretamente do discurso ideológico das telenovelas e do JN, das CPIs intermináveis e do senso comum que toma a corrupção como o problema maior do país.

Com o Ficha Limpa, a política tende a ser reduzida a uma questão de boa ou má conduta dos funcionários do sistema, que é um sistema jurídico-institucional, mas não propriamente político. Não se pensa o próprio sistema à distância; não se pensa, por exemplo, o conceito de "crime", e, no entanto, sabemos que muitas vezes um "criminoso" pode ter mais virtude política que um sujeito jamais enquadrado pela lei. Que o diga o terrorista Nelson Mandela.

Esse tipo de matéria está completamente fora do debate criado em torno do Ficha Limpa, e é nessa exclusão que se revela, pra mim, a fraqueza política dessa lei, sua completa gratuidade e falta de condições para melhorar qualquer coisa no Brasil.

Rodrigo Cássio em agosto 17, 2010 2:51 AM

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#51

Fecho totalmente com seu ponto de vista, Rodrigo, você ressaltou aspectos que eu, mais preocupado em rebater os argumentos jurídicos, não salientei o suficiente. A reflexão que você faz sobre o caráter e as consequências políticas da lei são chave. Reforçam minha oposição a essa lei.

Idelber em agosto 17, 2010 3:19 AM

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#52

Cristalino, Felipe, gracias. Aprendi nesta caixa (acho) o sentido técnico em que vocês diferenciam princípio de regra. São uma aula para mim essas intervenções de vocês.

Idelber em agosto 17, 2010 3:34 AM

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#53

A segunda pergunta de NRA refere-se a uma questão que, desde o início das discussões acerca do Projeto de Lei da Ficha Limpa, tem sido negligenciada, embora me pareça que merece atenção. Antes de tudo, para que meu comentário não corra o risco de ser mau interpretado, registro que compartilho das críticas à Lei da Ficha Limpa.

Vereadores, prefeitos, deputados estaduais, governadores, deputados federais, senadores e presidente da República são agentes políticos. Servidores públicos – entre os quais não se incluem conselheiros e ministros de tribunais de contas, secretários municipais e estaduais, ministros de Estado, membros do Ministério Público e magistrados, que também são agentes políticos –, ao contrário, são agentes administrativos. Ambos, agentes políticos e agentes administrativos são espécies do gênero agente público. Evidentemente, por serem espécies distintas não se submetem a um regime normativo idêntico, mas há princípios e regras que são de aplicação a todos os agentes públicos. Portanto, gostaria de compreender, não se trata de uma pergunta retórica, por que a regra da presunção de inocência, que tornaria inconstitucional a Lei da Ficha Limpa, aparentemente não se aplica aos candidatos de concursos públicos de determinadas carreiras?

Por exemplo, os concursos públicos para provimento de cargos de escrivão e de agente da Polícia Federal abertos em 2009 (Edital n. 14 e Edital n. 15 da Diretoria de Gestão de Pessoal do Departamento de Polícia Federal) determinam que a investigação social, de caráter eliminatório, dos candidatos aprovados no exame de habilidades e conhecimentos da primeira etapa obedece ao art. 8º, I, do Decreto-Lei n. 2.320/87, que estatui como requisito para “a matrícula em curso de formação profissional, apurado em processo seletivo, promovido pela Academia Nacional de Polícia”: “procedimento irrepreensível e idoneidade moral inatacável”. Atualmente, a investigação social, realizada no decurso de parte da primeira etapa e durante toda a segunda etapa, está regulamentada pela Instrução Normativa n. 3/2009 da Diretoria de Gestão de Pessoal do Departamento de Polícia Federal, cujo art. 7º estabelece como “fatos que afetam o procedimento irrepreensível e a idoneidade moral inatacável do candidato”:



g) respondendo ou indiciado em inquérito policial, envolvido como autor em termo circunstanciado de ocorrência, ou respondendo a ação penal ou a procedimento administrativo-disciplinar;

h) demissão de cargo público e destituição de cargo em comissão, no exercício da função pública, em qualquer órgão da administração direta e indireta, nas esferas federal, estadual, distrital e municipal, mesmo que com base em legislação especial;

i) demissão por justa causa nos termos da legislação trabalhista;

j) existência de registros criminais.



Consoante o art. 8º, V, da mesma instrução normativa, “será passível de eliminação do concurso público o candidato” que “tiver sua conduta enquadrada em qualquer das alíneas previstas no art. 7º”.

As alíneas “g” e “j” não constituem uma violação da regra da presunção de inocência? No caso da alínea “h”, se cessado o período, determinado pela legislação, durante o qual um indivíduo demitido ou destituído de um cargo público não pode ser nomeado para um novo cargo, por que lhe é interditada a nomeação a um cargo na Polícia Federal? Em relação à alínea “j”, demissão por justa causa nos termos da legislação trabalhista não equivale à sentença penal condenatória.

Talvez minha dúvida seja ingênua, meu conhecimento de direito é reduzido. Por que, aparentemente, é constitucional eliminar de um concurso público um candidato que apenas está respondendo a uma ação penal, que não foi condenado em nenhuma instância, ou que meramente está respondendo a ou foi indiciado em um inquérito policial?

Um abraço a todos!

Fabiano Camilo em agosto 17, 2010 3:42 AM

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#54

Do que percebi, a grande maioria dos comentaristas desconsidera a competência do Congresso e do TSE.

E também o Parágrafo Único do Artigo 1o da nossa Constituição que diz: Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Continuo me permitindo discordar veementemente, afinal não gosto de ditaduras, muito menos a da corrupção a qual fomos subjugados, lutamos a agora passamos a relativizar?

Este "ou diretamente" não significa que o povo pode sair às ruas e afirmar que quer estabelecer uma nova ordem?

E me parece, também, que o TSE, após o Congresso aprovar e o Lula sancionar sem vetos, também entendeu que sim. Do meu lado, afirmo que os considero bastante competentes.

Quando começamos a desprezar estas instituições, Povo, Congresso, Justiça, fico um tanto apreensivo.

Pax em agosto 17, 2010 10:06 AM

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#55

Fabiano: fugindo um pouco da questão técnica (que tem gente mais habilitada a discutir), acredito que haja uma diferença de fundo entre o funcionário público e o agente político: o último deve gozar de uma maior imunidade (e goza, de fato, basta ver a imunidade quanto ao que fala). Acredito que aqui o mais ("importante") é menos ("requisitos"): justamente porque o sujeito participa da vida política, está sujeito a algumas perseguições, percalços, etc. Além disso, a administração pública deve obedecer a certos princípios (Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência) que são a porta de entrada para essas discriminações/requisitos nos concursos (esses significantes tendencialmente vazios - moralidade, eficiência, etc. - são sempre a porta de entrada da política - já diria Platão: ninguém discute o sentido de "pedra" ou de "madeira", mas ninguém se entende sobre o que é "justo" e "injusto"). O representante político é mais do que "mero" administrador (o congressista nem administrador é). Dito de outro modo: tudo bem os atuais critérios hegemônicos sobre o que é "moralidade", "eficiência", etc. ditarem as normas para concursos da administração pública, mas esses mesmos critérios não podem ser aplicados do mesmo modo sobre aqueles que podem, justamente, mudar politicamente o seu sentido (através do debate político e das normas); senão o sistema se torna mais conservador do que é, ou melhor, senão a política se converte, como disse o Rodrigo, em gerência, administração. Abraço

Alexandre Nodari em agosto 17, 2010 1:36 PM

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#56

Alexandre Nodari

Creio que o ponto não seja a diferenciação entre funcionário público e agente político, mas sim o princípio constitucional da presunção de inocência. Em outras palavras, por que para a admissão de um funcionário público a presunção de inocência não vale, com o devido transito em julgado das sentenças, e para o agente público vale? A presunção de inocência não é um valor absoluto?

NRA em agosto 17, 2010 2:47 PM

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#57

Correção:

Onde se lê:

"...por que para a admissão de um funcionário público a presunção de inocência não vale, com o devido transito em julgado das sentenças, e para o agente público vale?"

Leia-se:

"...por que para a admissão de um funcionário público a presunção de inocência não vale, nos casos em que ainda não há o devido transito em julgado das sentenças, e para o agente público vale?

NRA em agosto 17, 2010 4:07 PM

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#58

Idelber, o que mais me espanta é verificar que o efeito prático do Ficha Limpa sob a administração pública é absolutamente nulo, porque não há ligação direta entre competência e honra da mulher de César (a que tem que parecer, e não apenas ser, honesta).

Por mais que muitos adoradores de leis arbitrárias como o Ficha Limpa não concordem, o fato é que não se pode dizer que um administrador público é competente por causa do seu atestado de bons antecedentes, e que um completo imbecil com ficha limpa pode ser muito mais prejudicial à população do que um ficha-suja competente.

Ocorre que a corrupção é o maior mal da política para quem acha que os políticos são os maiores culpados pela incompetência administrativa; para estes, técnicos deveriam mandar em tudo na administração pública, mesmo que esses não estejam em contato com a população, não entendam suas demandas e tomem decisões sempre em cima dos seus "modelos perfeitos", as tais planilhas que o Nassif não cansa de falar e que refletem mais números que realidades concretas de uma Nação.

Corrupção é muito menos "pecado", na política, que incompetência, mas é o maior defeito do qual podemos culpar nossos políticos; então, Ficha Limpa neles, podemos ter imbecis no poder, porém imbecis dos quais nos orgulhamos, com três línguas e nenhum cérebro em sua cabeça.

É, pois é ...

FPS3000 em agosto 17, 2010 4:33 PM

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#59

"...o fato é que não se pode dizer que um administrador público é competente por causa do seu atestado de bons antecedentes, e que um completo imbecil com ficha limpa pode ser muito mais prejudicial à população do que um ficha-suja competente."

Aliás, isso se aplica em outras categorias profissionais também. Certamente um engenheiro competente, mas corrupto, tem menos chances de projetar um edifício com falhas, sujeito a desmoronar, do que um corrupto, mas competente. Então, obviamente, o que se deve procurar ter é o administrador público competente E com bons antecedentes. Caso contrário, no campo político, seremos obrigados a aturar um Maluf da vida com o seu "rouba mas faz".

NRA em agosto 17, 2010 5:00 PM

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#60

NRA: nenhuma regra é absoluta. Mas acho que a questão não é essa. No caso do funcionário público, pegando o exemplo do Fabiano, não está em jogo a inocência ou culpa, mas a "idoneidade moral" (que é passível de ser exigida tendo em vista os princípios da administração pública, entre os quais está a "moralidade" - veja bem, não digo que concordo com esse desenho jurídico-institucional, só estou tentando descrever o funcionamento lógico dele). É óbvio que isso abre brechas para uma certa discricionareidade na avaliação (pessoal) do candidato (pois a "idoneidade moral" é um conceito abstrato cujo sentido varia e abarca uma zona cinzenta entre o público e o privado, implica escolher quais ações privadas tem relevância pública, etc.), discricionareidade que é exercida pela própria administração pública nos concursos. No caso de agentes políticos, só quem pode exercer essa discricionareidade são os eleitores, justamente porque os agentes políticos que eles escolhem representam diferentes atribuições de sentido para coisas como "moralidade". O Ficha Limpa acaba convertendo a política em um concurso público, no qual os juízes fazem o papel de banca avaliadora.

A presunção de inocência não é uma presunção de "idoneidade moral"; ela tem um sentido técnico preciso no Direito Penal: "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". O princípio não diz mais do que o óbvio: considera-se culpado quem foi condenado em última instância e não tem mais direito à recurso. É um critério objetivo. A Ficha Limpa não usa esse critério, mas cria outro, moral, mas travestido de jurídico, em que tenta confundir culpa moral e culpa jurídica. Esse é o nó, porque, insisto, o julgamento moral dos políticos deve ser exercido (se é que deve) só pelos eleitores. Ou adotamos critérios objetivos - a condenação em última instância, o conceito de culpado - ou estaremos dando a juízes poderes de censores.

Alexandre Nodari em agosto 17, 2010 6:02 PM

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#61

Em tempo, um dos aspectos centrais do positivismo - uma das causas da produção dessa espécie de lei - é a busca por estabelecer um corte arbitrário entre Política e Direito, reduzindo o debate sobre as normas legais a meros aspectos sintáticos - claro, no caso que estamos debatendo, a redação do texto legal é flagrantemente tosca e inconstitucional, mas esse é o menor dos problemas; identificar as causas desse equívoco e suas consequências graves deve ser o foco. Aliás, dane-se se isso está condenado pessoas por muito pouco e deixando um Maluf à solta, o ponto é que estamos falando da ampliação da consequência da área de atuação do aparato coercitivo do Estado burguês sobre um ponto caro à nossa Democracia em construção: As eleições. O Perigo da corrupção do processo eleitoral pela sua judicialialização - continuando a tabelinha com o Raphael - é enorme. Concordo plenamente com o argumento final do Alexandre, mas só discordo que da tese da adoção do critério objetivo, a Ficha Limpa ainda sim estaria dando poder de censor aos juízes - materialmente falando -, o que violaria, lá atrás, o princípio democrático de todo modo.

Hugo Albuquerque em agosto 17, 2010 8:01 PM

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#62

Alexandre Nodari



Entendi sua argumentação, mas discordo em parte quanto a dissociação entre "presunção de inocência" e "idoneidade moral". Em teoria, no meu entender, só faria sentido apontar que um candidato a cargo público não é possuidor de idoneidade moral caso a sentença condenatória dele tivesse transitado em julgado. Por outro lado, isso me parece de um rigor excessivo; eu certamente não contrataria um professor particular, respondendo a processo penal, para ensinar meu filho.

Agora, olhando pelo outro lado da moeda, por que não se pode exigir "idoneidade moral" dos candidatos a cargo político? Pegando uma carona no post da LadyRasta, ela bem lembra que:

...a Constituição Federal estatui em seu art. 14, § 9º que a “lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato...

Note que a própria CF menciona leis para proteger a probidade administrativa e a moralidade para o exercídio do mandato. Logo, assim como no caso da admissibilidade do candidato ao cargo público baseado na "idoneidade moral", a lei Ficha Limpa estabelece critérios para a elegibilidade do candidato ao cargo político.

NRA em agosto 17, 2010 8:12 PM

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#63

NRA: é, nisso da Constituição você tem razão. Essa Lei Complementar que você menciona já existe, é a LC 64 de 1990 - e foi ela que teve sua redação alterada pelo Ficha Limpa (LC 135/2010). Mas aqui caímos na questão técnica que torna o Ficha Limpa inconstitucional. Por exemplo: diz a nova redação (dada pelo ficha limpa) da LC 64/90 o Art 1, I, alínea "e": "os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes". Essa equiparação entre decisão transitada em julgado e decisão proferida por órgão judicial é que não pode. Se você olhar na redação original da LC, não existia essa equiparação, e já existiam casos de ineligibilidade por condenação penal.

Alexandre Nodari em agosto 17, 2010 8:51 PM

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#64

Alexandre, muito obrigado por seus comentários, sobretudo pelo segundo (60). Lamentavelmente, li o post e enviei meu cometário quando a discussão tinha se esvaziado. Apenas você ofereceu algumas respostas a minhas perguntas. Outros leitores também poderiam ter feito comentários pertinentes. Paciência.

Nas discussões sobre a Lei da Ficha Limpa, a comparação entre agentes políticos e agentes administrativos poderia ter sido mais explorada. Seu segundo comentário demonstra como o contraste entre as duas espécies de agente públicos contribui para compreender melhor o que está em jogo.

Um abraço!

Fabiano Camilo em agosto 18, 2010 5:50 AM

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#65

Sempre considerei este tal de "Ficha Limpa" uma proposta absurda e fascista. Ela parte do princípio de que o povo não sabe votar, cabendo a uma casta de sábios, no caso os tais "órgãos colegiados" da justiça, determinar em quem o povo pode votar ou não. Não é de se admirar que setores da esquerda católica é que tenham sido os maiores incentivadores deste monstrengo jurídico. A visão de mundo destes setores é moralista, uma espécie de udenismo de esquerda, em que o mundo é dividido entre os puros e os impuros. Como o mundo é muito mais complexo que isso, daí as consequências nefastas desta lei...

Laércio Nunes em agosto 29, 2010 11:28 PM







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