quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Papa discretamente recebe o líder da Teologia da Libertação

Papa discretamente recebe o líder da Teologia da Libertação
Dermi Azevedo
Exclusivo

O papa Francisco recebeu discretamente no Vaticano, há cerca de um mês, a visita do principal líder da Teologia da Libertação, o religioso peruano Gustavo Gutierrez. Integrante da Ordem Dominicana, o padre Gustavo tornou-se, nos anos 70, o primeiro teólogo a sistematizar essa corrente no interior da Igreja Católica Romana. A sua visita ao Papa aconteceu de modo informal, fora da agenda oficial do pontífice. Contudo o significado político dessa reunião é evidente e representa o apoio explícito dos teólogos da libertação à opção pelos pobres, já oficializada por Francisco como a diretriz fundamental de sua gestão como chefe da Igreja. O apoio ao atual Papa vem sendo articulado desde antes da eleição vaticana. Quando o nome do cardeal Bergoglio foi anunciado, bispos. teólogos e outras personalidades ligadas à Teologia da Libertação deram publicamente declarações em que afirmavam a sua expectativa de uma administração que pudesse tirar o Catolicismo de sua pior crise desde o século 19.


Quem mudou?

Ao receberem a informação sobre o encontro entre o Papa e Gutierrez, vários teólogos brasileiros e europeus perguntaram também de modo informal quem teria mudado, se teria sido Francisco ou os teólogos da libertação. Na verdade, ambos mudaram. O Papa assumiu o discurso anticapitalista da Teologia da Libertação e confirmou a opção pelos pobres. Os teólogos reafirmaram de modo mais amenizado o recurso a categorias dialéticas para a leitura crítica da realidade.


Teologia da Libertação é a versão latino-americana de correntes progressistas na Igreja

Pela primeira vez, na história da Igreja Católica na América Latina, a doutrina foi sistematizada fora dos padrões e do controle do centro de poder romano. Isto aconteceu com o movimento teológico-político que se tornou conhecido como a Teologia da Libertação (TL), resultante de pesquisas, debates e de outras atividades de caráter ecumênico. A primeira formulação da TL foi feita pelo teólogo peruano Gustavo Gutierrez, em julho de 1968. Três anos depois foi publicado seu texto Teologia de La Liberación, que se tornou um sucesso editorial.

Um trabalho semelhante ao de Gutierrez também foi feito, nos primórdios da TL, por vários teólogos e filósofos católicos e evangélicos, entre os quais Rubem Alves, Hugo Assmann, Carlos Mesters, Leonardo e Clodovis Boff (Brasil), Jon Sobrino e Ignacio Ellacuria (El Salvador), Segundo Galilea, Juan Luis Segundo e Julio de Santa Ana (Uruguai), Ronaldo Muñoz (Chile), Pablo Richard (Chile e Costa Rica), José Miguel Bonino e Juan Carlos Scannone (Argentina), Enrique Dussel (Argentina e México). Entre os brasileiros, destacaram-se também, no campo evangélico, os nomes de Jether Pereira Ramalho, Zwinglio Dias, Hugo Assmann e Anivaldo Padilha.  

É consenso entre esses teólogos que falar da Teologia da Libertação “é buscar uma resposta para a pergunta: que relação existe entre a salvação e o processo histórico de libertação do ser humano”. Essa obra tornou-se um paradigma para toda uma reflexão que muda o método teológico (não só a partir das ideias, mas a partir da realidade).

O sistema dominante na América Latina logo percebeu a dimensão sócio-política transformadora da TL. A sua expansão foi, por exemplo, um dos temas da Missão Rockfeller, que Nixon enviou à América Latina nos anos 60. As ditaduras militares latino-americanas também assumiram esta pauta em nome da contenção do “comunismo internacional”. Entretanto, como resultados concretos da TL surgiram e cresceram as Comunidades Eclesiais de Base e as pastorais sociais. Também, em grande parte, movimentos sociais como o dos Sem Terra são herdeiros dessa nova visão teológica.

Na Igreja, a reação contra a TL articulou-se já a partir de 1982 e ganhou força com a eleição de João Paulo II, em 1978. A influência da TL fez-se sentir em 1979 na vitória da Revolução Sandinista contra a ditadura de Somoza, na Nicarágua, que teve uma participação destacada de padres e leigos. Um dos principais seguidores da TL, o arcebispo salvadorenho d. Oscar Romero, foi assassinado em 24 de março de 1980, enquanto celebrava a missa.


Paralelamente, no Vaticano, a Congregação para Doutrina da Fé reagiu à TL, particularmente a partir de denúncias feitas por bispos latino-americanos voltadas, sobretudo, para os teólogos Gustavo Gutierrez e Leonardo Boff. O Vaticano tentou, sem sucesso, que os bispos peruanos condenassem Gutierrez. Boff, no entanto, foi silenciado e a Congregação publicou, em 6 de agosto de 1984, uma Instrução sobre alguns aspectos da teologia da libertação, que, apesar das críticas, afirma, em seu primeiro parágrafo; “A poderosa e quase irresistível aspiração dos povos a uma libertação constitui um dos principais sinais dos tempos que a Igreja deve discernir e interpretar à luz do Evangelho”.

Porém, o aspecto essencial da TL é seu enfoque político transformador, ao conceber o Cristianismo, não como uma ideologia legitimadora do status quo, mas como um suporte para a libertação concreta dos seres humanos, diante de todas as opressões a que é submetido. Recolhendo alguns eixos do pensamento marxista, a TL faz, igualmente, uma leitura dialética da realidade, sempre tendo a Bíblia como referência fundamental.


A descoberta do marxismo pelos cristãos progressistas e pela TL não foi um processo puramente intelectual ou universitário. O seu ponto de partida foi um fato social: a realidade da pobreza na América Latina e a tentativa de, ao identificar as causas dessa situação, tentar superá-la. Alguns dos teólogos da Libertação (influenciados por Althusser) referem-se ao marxismo simplesmente como uma (ou a) ciência social, utilizada, de modo estritamente instrumental, para conhecer melhor a realidade latino-americana.

Outros destacam, igualmente, os valores do marxismo, suas opções ético-políticas e seu anúncio de uma utopia. Esses teólogos são atraídos mais pelo neo-marxismo do que pelo marxismo ortodoxo e tradicional. Entre os autores marxistas, Emst Bloch é o mais citado nas obras da TL, registrando-se também referências a Althusser, Marcuse, Lukács, Gramsci, Henri Lefèbvre, Garaudy, Schaff, Kolakowski, Lombardo-Radice, Luporini, Sanches Vasquez, Fanon, Lucien Goldmann e Ernest Mandel. No marxismo latino-americano, as principais referências para a TL são o peruano José Carlos Mariátegui - com sua interpretação original do marxismo - a revolução cubana e a teoria da dependência, de Fernando Henrique Cardoso, André Gunder Franck, Theotônio dos Santos e Anibal Quijano.


Opção pelos pobres
No binômio opressor/oprimido, Gutierrez e os outros teólogos da libertação, priorizam os pobres como sujeito central de sua própria libertação. A preocupação pelos pobres remonta às origens do Cristianismo, mas os teólogos da libertação não os consideram como objeto de filantropia, mas como sujeito de sua própria emancipação.

Convergem, assim, para a ideia histórica marxista de que a emancipação dos trabalhadores será uma obra dos próprios trabalhadores. Por outra parte, esses teólogos manifestam um anticapitalismo mais radical e categórico que dos próprios partidos comunistas latino-americanos, ainda crentes no perfil progressista da burguesia industrial e no papel histórico do desenvolvimento industrial capitalista.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Karl Marx: O inimigo interno do neoliberalismo

Congresso Karl Marx: O inimigo interno do neoliberalismo
DivulgaçãoO inimigo interno, cuja derrota foi crucial para a realização da atual economia capitalista mundial, não era outro senão o trabalho organizado.

Cristina Portella
O neoliberalismo não é apenas uma política para operar uma grande mudança política económica, cujas principais características são a defesa da desregulamentação dos mercados financeiros, de políticas monetaristas destinadas a estabilizar os gastos públicos e a inflação, assim como a privatização de diversos setores da economia. Além disso tudo, seria também “um ambicioso projeto de engenharia social, destinada a reformular a vida social e o comportamento humano, a fim de torná-lo compatível com a concorrência e o consumismo”.

Essa conclusão foi apresentada ontem no Painel “Reconfigurações contemporâneas da luta de classes”, no primeiro dia do 2º Congresso Karl Marx, em Lisboa, pelo historiador Ricardo Noronha, em sua comunicação, intitulada “'O inimigo interno': a luta de classes e a contra-revolução neoliberal”.

“Intelectuais orgânicos

Esta forma de encarar a ideologia neoliberal e os seus ideólogos faz parte de uma nova linha de investigação inspirada pelas palestras de Foucault no Collège de France durante 1978-1979.

“Enquanto procura compreender a lógica interna e as motivações desses 'intelectuais orgânicos' do neoliberalismo, para usar o conceito de Gramsci, este trabalho”, explicou Noronha, “vai tentar identificar a perceção do trabalho e das suas formas sociais, institucionais e políticas como um grande problema no âmbito dos estudiosos como Friedrich Hayek e Milton Friedman, dois dos principais líderes do Mont Pelerin Society e ganhadores do Prêmio Nobel.”

Para recordar, Mont Pelerin Society é o nome da organização internacional fundada em 1947 por expoentes do liberalismo econômico, então na defensiva diante do projeto de reconstrução da Europa no pós-Segunda Guerra Mundial, do qual surgiria o tão combatido – pelos neoliberais - “estado social”.

Quem é o “inimigo interno”

Para implementar o seu “ambicioso projeto de engenharia social” os neoliberais teriam de derrotar previamente o tal “inimigo interno”, numa expressão cunhada pela ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, nada mais nada menos do que a classe trabalhadora de cada país. Particularmente o seu setor mais avançado.

“O 'inimigo interno', cuja derrota foi estrategicamente crucial para a realização da atual economia capitalista mundial, não era outro senão o trabalho organizado e a sua capacidade para se opor à reestruturação capitalista e ao aumento da exploração, atuando como um elemento rígido contra um padrão cada vez mais flexível de acumulação de capital”, sintetizou Noronha.

A luta dos mineiros

No caso de Thatcher, os inimigos eram os mineiros, uma classe profissional que já infernizara a vida de dois ex-primeiros-ministros, o conservador Edward Heath e o trabalhista James Callaghan. Com a sua grande capacidade de mobilização e uma tática até então infalível de piquetes de greve que iam num crescendo até paralisar toda a categoria, os mineiros britânicos conseguiram impedir, nos anos 1970, a aplicação de um plano de redução salarial e cortes nos gastos públicos.

O braço de ferro entre Thatcher e os mineiros durou um ano. Entre 1984 e 1985, os mineiros cruzaram os braços, enfrentaram uma repressão policial que levou 11 mil grevistas para a cadeia, mas acabaram por perder a batalha. A partir daí, ao derrotar o setor mais organizado e forte da classe trabalhadora inglesa, o governo conservador conseguira o sinal verde para implementar a desregulamentação das relações laborais, reduzir direitos e rebaixar salários.

A finalidade da investigação apresentada por Noronha foi “interpretar os acontecimentos amplamente conhecidos, como o golpe militar no Chile em 1973, a reestruturação maciça das fábricas de automóveis da Fiat em Turim, em 1980, e as greves dos mineiros no Reino Unido em 1984-1985, como episódios-chave de uma guerra de classe que já estava nas entrelinhas do pensamento neoliberal.”

AssuntoVisualizaçõesData - HoraNº do textoPostagem
Política7628/10/2013 - 06h17034Ricardo Alvarez

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Inventário lista 100 lugares de memória do tráfico de escravos no Brasil

Inventário lista 100 lugares de memória do tráfico de escravos no Brasil
O Inventário dos Lugares de Memória do Tráfico Atlântico de Escravos e da História dos Africanos Escravizados no Brasil foi produzido na intenção de reunir os 100 lugares mais importantes para o tráfico negreiro.

Laboratório de História Oral e Imagem (LABHOI)
O trabalho coordenado pelo Laboratório de História Oral e Imagem (LABHOI) da Universidade Federal Fluminense, em parceria com o Comitê Científico Internacional do Projeto da UNESCO “Rota do Escravo: Resistência, Herança e Liberdade”, foi construído a partir da indicação e contribuição de diversos historiadores, antropólogos e geógrafos do país.
A prioridade foi dada às evidências documentais, escritas ou orais, da presença histórica e cultural dos africanos, com o objetivo de centrar o foco na ação e no legado dos recém-chegados. O inventário é sobre os locais onde é possível lembrar a chegada dos africanos ou identificar as marcas de sua presença e intervenção.
Escravizados em seu continente, entre os séculos XVI e XIX, muitas vezes em guerras internas entre os inúmeros reinos que existiam nas diversas regiões da África tocadas pelo tráfico, africanos de diferentes línguas e origens tornaram-se “escravos”, categoria jurídica de época, no Brasil. Aqui reorganizaram suas identidades, criando novos sentidos para suas referências africanas.

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domingo, 27 de outubro de 2013

JANTAR DANÇANTE DA APEOESP DE SAO BERNARDO

sábado, 26 de outubro de 2013

ENSINO DE FILOSOFIA E LIBERTAÇÃO:EXPOSIÇÃO REALIZADA NO 1° CONGRESSO BRASILEIRO DE FILOSOFIA DA LIBERTAÇÃO.

Ensino de Filosofia e Libertação.

Exposição no I° Congresso Brasileiro de Filosofia da Libertação e I Simpósio de Professores de Filosofia do Estado de São Paulo, realizado na Fapcom, nos dias 4, 5,6 de setembro de 2013.
No livro, Marilena Chauí afirma que a filosofia “Está presente na vida de todos nós. No mundo ocidental, costuma-se dizer que remonta aos gregos. De uma perspectiva mais ampla, podemos dizer que ela está presente na vida do ser humano desde um tempo imemorial, anterior às primeiras civilizações. Dos primórdios do Homo sapiens até as primeiras organizações humanas, cada atitude individual ou coletiva, cada fenômeno físico ou avanço técnico, cada nova percepção dos meandros da alma humana foi entremeada por ações passíveis de análise filosófica”.(do livro “Iniciação à filosofia”, de Marilena Chauí, primeira edição de 2011, publicado pela Editora Ática, na pagina três)
Essa elaboração supera a cronologia sobre a existência da filosofia que hoje está centrada no mundo grego, a partir da século VI antes de Cristo.
Como parte desse cenário do processo da evolução, podemos observar a partir do filme Guerra do fogo que, segundo os autores desta importante película, remonta há aproximadamente 80 mil anos, onde dois grupos de Hominídeos apresentam características diferenciadas em relação ao processo evolutivo. Para um desses grupos o fogo era algo muito misterioso, sobrenatural, pois não sabia como preservar nem dominava qualquer técnica para compreender aquele “mistério”. O outro grupo dominava a técnica de fazer o fogo e estava mais evoluído em relação aos demais. Noah, Gaw e Amouhar são levados a entrar em contato com os outros que tinham o conhecimento e a técnica, devendo trazer para a tribo esse “novo conhecimento”.
Durante a viagem, encontram um grupo de canibais e resgatam uma bela jovem, Ika, que vai orientar e despertar novos sentimentos, além de possibilitar e protagonizar a passagem do conhecimento da técnica e domínio sobre como provocar uma fagulha, a partir do atrito, provocando assim, uma das maiores revoluções que foi a descoberta do fogo. Essa descoberta teve papel fundamental naquele contexto para aquecer, proteger e propiciar avanços das ligas metálicas, para avançar no processo da evolução humana. Nesse processo, a categoria trabalho foi fundamental na libertação do homem naquele mundo hostil e distante.
O ensino da filosofia já estava naquele gesto da mulher que, carinhosamente, transmitiu o saber acumulado pela tribo mais evoluída. A forma relacional, a troca de conhecimentos propiciava a evolução, a superação do atraso, levando à grande revolução da humanidade que foi o domínio do fogo: libertação pela observação, pelo trabalho e domínio da natureza, colocando-a a serviço do Homem. A ação da mulher se faz presente como protagonista do novo.
Portanto, com as primeiras civilizações a troca de conhecimentos e experiências foram fundamentais. Nesse percurso, a filosofia estava presente nas mais variadas formas, apropriadas ou não pelos mais variados modelos de governo, de dominação e até a justificativas sobre a escravidão ao longo desses períodos históricos.
Esse percurso histórico não nega a contribuição e a sistematização da filosofia grega, tão importante naquele momento e para as gerações futuras. Os filósofos da natureza ensinavam e buscavam também uma forma de libertação pelo aprendizado e de ruptura necessária com uma leitura mitológica recorrente naquele universo do conhecimento.
Os questionamentos de Sócrates, com o seu método apontava uma meta de superação e contestação ao conhecimento naturalizado. Em Platão, a Episteme se coloca como uma nova possibilidade, assim como a contribuição de Aristóteles sobre os mais variados saberes daquela época. A contribuição de Heráclito foi fundamental e determinante no pensamento dialético, com a introdução do movimento e da transformação inerente e existente no mundo.
Outro momento onde o ensino da filosofia e a libertação estão presentes foi na luta destemida por um exército de aproximadamente 100 mil escravos, liderados por Spartacus (120-70, a.C), que enfrentaram o império Romano e, por pouco, não derrotaram esse poderoso império. Mais uma vez o pensamento opressor está presente e a libertação dos escravos também se fazia necessária.
No período Medieval, um outro episódio determinante foi a participação de Hipátia, filósofa e professora em Alexandria (355-415), que foi condenada à morte, a aceitar sua conversão religiosa .
“Sob o domínio Romano, a cidade de Alexandria é palcode uma das mais violentas rebeliões religiosas de toda história antiga. Judeus e Cristãos disputam a soberania política, econômica e religiosa da cidade. Entre o conflito, a bela e brilhante astrônoma Hypatia (Rachel Weisz) lidera um grupo de discípulos que luta para preservar a biblioteca de Alexandria. Dois deles disputam o seu amor: o prefeito Orestes (Oscar Isaac) e o jovemescravo Davus (Max Minghella). Entretanto, Hypatia terá que arriscar sua vida em uma batalha histórica que mudará o destino da humanidade.” http://www.livrariacultura.com.br/scripts/resenha/resenha.asp?nitem=22661502&sid=
Mais uma vez, o ensino de filosofia e a libertação estão presentes na defesa concreta do conhecimento, em detrimento de outras explicações que não têm correspondência com o mundo daquela época, assim como nos dias atuais.
Com o desenvolvimento das primeiras relações pré-capitalistas, com as grandes navegações, também o conhecimento filosófico se fez presente, com a busca de novos mercados, impondo aos povos nativos a dominação e a fé cristã, levando à morte milhões de pessoas indefesas. A resistência foi grande naquele momento e a libertação dos oprimidos e das sequelas daquele genocídio ainda estão presentes na história e memória dos nativos sobreviventes.
O filme 1942, lançado no aniversário de 500 anos da descoberta da América, mostra Cristovão Colombo (Gerard Depardieu) e os europeus chegando ao Novo Mundo. A história acompanha desde os preparativos, com o navegador visionário recorrendo à coroa espanhola, até o terrível impacto da descoberta e do início da colonização sobre a população nativa. As dificuldades e temores da navegação, a perseverança de Colombo e o desafio da terra desconhecida fazem parte da aventura, que não descarta a brutalidade que envolveu os fatos.”http://filmescem.blogspot.com.br/2013/07/ficha-do-filme-1492-conquista-do.html
O ensino da filosofia está presente, bem como a necessária libertação dos nativos que reagem à matança dos colonizadores dos países dominantes.
Com o Renascimento, novamente o ensino de teologia se impõe, fazendo e levando várias vítimas à condenação, como aconteceu com o grande físico e matemático Galileu, nascido em 1564. Galileu teve grande contribuição à física, a matemática e a filosofia, utilizando as ferramentas da época como o telescópio, confirmou várias teorias e anunciou que o livro do universo estava escrito em linguagem matemática. A sua conclusão foi a base para sua condenação, e, quase o levaram à fogueira da “Santa Inquisição”.
São inúmeros os registros onde o ensino de filosofia e a filosofia da libertação estão intrinsecamente relacionados, numa relação de interesses antagônicos, tendo sempre por base as relações econômicas, a luta de classe e o necessário comprometimento rumo à libertação dos oprimidos.
Na Revolução Francesa esses conflitos se materializam nos embates entre os girondinos e jacobinos, que definiu conceitos como direita e esquerda, fortemente presentes nos dias atuais.
A Revolução Industrial também foi outro momento onde a classe começa a se organizar através das associações e sindicatos de trabalhadores que declararam guerra a exploração capitalista.
Caio Graco Babeuf, um dos lideres da conspiração dos iguais, o General dos exércitos de justiceiros, comandado por Ned Ludd, assim como a liga dos comunistas, fundada em 1847, tendo como destaques Marx e Engels, procuravam explicitar e organizar a resistência da classe trabalhadora em nível mundial, buscando a libertação dos trabalhadores da opressão do positivismo capitalista. Explicitam que: “A libertação social dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores” (do manifesto Comunista-1847)
Em 1848, Marx e Engels lançam importante manifesto denominado de manifesto comunista, bem como lançam outros livros como expressão dos embates de classe naquele e no atual momento histórico.
Do ponto de vista sociológico, vão afirmar que a história da humanidade até os dias atuais nada mais foi do que a história da luta de classe. Com essa definição, rompem com o eixo cronológico da história e instituem os embates de classe como marcos norteadores do processo de opressão e libertação dos trabalhadores e oprimidos nos mais variados sistemas econômicos que existiram.
Do ponto de vista econômico, vão definir a economia como o grande motor da história e que a sociedade só poderia ser modificada com as mudanças radicais dos modos de produção ao longo da história da humanidade. Mencionaram os modos de produção asiático, escravagista, feudal, capitalista, socialista e o comunismo científico.
Em relação a Filosofia , Marx afirma na tese contra Ludwig Andreas Feuerbach de que o papel do filósofo não é apenas contemplar o mundo e sim, transformá-lo. Ele combate a filosofia e os filósofos burgueses e faz um chamado aos filósofos que até então se limitavam a reconhecer, naturalizar e ficar indiferente diante das mazelas sociais. Ele convoca todos os filósofos a transformar o mundo em que vivemos. Um dos militantes que melhor compreendeu a teoria Marxista foi Lênin, que colocou em prática a revolução proletária na URSS. Nesse sentido, entendo que fundamentalmente o papel da filosofia e do filósofo é organizar para transformar o mundo em que vivemos. Portanto, o principio leninista está na ordem do dia.
No campo da política, sugerem a organização internacional dos trabalhadores. Eles reconhecem o caráter de classe, o fundamento econômico, a transformação filosófica e a união dos trabalhadores como condição indispensável para a destruição do sistema capitalista, rumo à uma sociedade socialista-comunista. Da mesma forma que a exploração do capital é internacional, a luta pela libertação dos trabalhadores deve ser universal. O ideal nesse contexto é a formação de um partido internacional da classe trabalhadora, bem como a luta sindical internacional da classe e assim sucessivamente em relação a outras demandas e manifestações contra a opressão.
A contribuição de Marx e Engels continua atual nas mais variadas partes do mundo, uma vez que o capitalismo significa exclusão de bilhões de seres das condições básicas de sobrevivência. Essa contribuição e influência marcou a sociedade,possibilitando uma nova leitura de mundo ao lado dos pobres e oprimidos, através da Teologia da Libertação.
No início da década de 80, quando cursava Teologia na Faculdade Assunção no Ipiranga, numa determinada manhã, o educador Paulo Freire deu uma aula pública e o currículo da faculdade era predominantemente sobre a Teologia da Libertação. Estávamos estudando a obra de Leonardo Boff, Igreja, Carisma e poder. Ao final, detectaram três níveis de igreja, a saber:
a) Igreja do outro mundo, vinculada à espiritualidade em si, sem nenhuma vinculação com o mundo material;
b) A igreja desse mundo, formalmente constituída e de braços dados com os governantes, numa relação de subordinação ao poder dominante constituído
c) Igreja do submundo, era a igreja das Comunidades Eclesiais de Base, da Teologia da Libertação, dos pobres e oprimidos.
Décadas depois dessa aula pública, podemos comparar e ainda indagar sobre a atual teologia, bem como podemos fazer referência sobre o ensino de Filosofia ao longo de sua existência.
Questionamos oportunamente nesse congresso qual a filosofia que almejamos:
a) Uma filosofia do outro mundo, vinculada às instituições religiosas, às normas e aulas de catequeses, ou mesmo uma metafísica descompromissada com a vida da população ?
b) Uma filosofia deste mundo, das habilidades e competências, dos governantes que se expressam através de manuais e livros didáticos, alinhados aos argumentos dos dominantes, portanto, despidos de criticidades;
c) Uma filosofia do submundo, a que existe no chão da escola, com a violência cotidiana, com assédio moral permanente, entre gestão, alunos e até colegas. Uma filosofia que dialoga e se identifica com os anseios de mudanças de uma juventude rebelde, sem perspectiva, sem direitos.
A filosofia do submundo expressa a vida do professor desmotivado, o baixo salário, o número excessivo de alunos em sala de aula, e muitas vezes se depara com a indiferença de concepções pedagógicas por parte dos gestores que não estão preparados para tal função.
Eu sei que o termo Filosofia do submundo parece forte, mas é isso que de fato acontece no âmbito da educação escolar. Podemos ainda comparar com os níveis de consciência, identificando a Filosofia do outro mundo como uma filosofia mágica, a filosofia desse mundo como igênua-transitiva e a Filosofia do Submundo como Crítica-radical.
Essa reflexão deve estar presente nos dias atuais, fundamentalmente a partir da revolta popular de junho/julho, onde milhões tomaram as ruas com pautas definidas como a redução da passagem, padrão FIFA na Educação, Saúde, Habitação e Trabalho, além de pautas de natureza ético-moral, em relação à corrupção e profundo questionamento das atuais instituições de poder e representação sindical partidária e estudantil.
Essas revoltas estão dentro de um contexto mundial com a primavera Árabe no norte da África na revolta contra a crise na Europa e “no Brasil da marolinha”.
Filosofia da libertação significa tomar partido ao lado dos empobrecidos pelo capitalismo, bem como selecionar conteúdos e desenvolver a práxis libertadora, é ter opção de classe em defesa dos oprimidos, é fazer coro com os gritos dos excluídos, com os gritos das ruas, das revoltas populares, é combater o racismo, a homofobia, a criminalização dos movimentos sociais, é garantir investimento na saúde, é lutar por 10 % do PIB para educação já, é lutar por moradia popular, apoiando a luta pela reforma agrária e urbana, é aprender com os Cubanos as lições de solidariedade, é combater os falsos mitos e estruturas de mortes, como os aparatos e as rotas policiais, é cobrar desmilitarização das policias que hoje praticam “assassinatos invisíveis” como ocorreu com desaparecimento de Amarildo.
Portanto, libertação não rima com opressão, omissão, deseducação e naturalização das coisas.
Libertação combina com liberdade, verdade, partilha, doação, comiseração, organização, participação e a necessária revolução.
Finalmente, pergunto aos educadores presentes ao plenário: em que medida a filosofia da libertação poderá mudar a atual situação dos educadores e educandos do nosso país?

A luta pela Filosofia da Libertação começa pela Libertação da Filosofia!!!

Aldo Santos-.Formado em Estudos Sociais, Filosofia, Bacharel em Teologia , com pós graduação em Filosofia da educação, Sociologia e o mundo do trabalho e Mestre em História  e Cultura.Foi Militante das comunidades eclesiais de base, Vereador por quatro legislatura em São Bernardo do Campo e Atualmente  é militante sindical, presidente da APROFFESP-APROFFIB e militante do Psol.



sexta-feira, 25 de outubro de 2013

ELEITA A NOVA DIRETORIA ESTADUAL DA ASSOCIAÇÃO DOS PROFESSORES DE FILOSOFIA E FILÓSOFOS DO ESTADO DE SÃO PAULO.

NOVA DIRETORIA ESTADUAL DA APROFFESP


Presidente: Aldo Santos - São Bernardo do Campo
 Vice-Presidente: Francisco Gretter – Lapa
Tesoureiro: Anízio Batista-Centro sul
Primeiro tesoureiro: Feitosa-Taboão da Serra
Secretário: José de Jesus - Osasco
Primeiro secretário: Marcos Silva - Santo André
Diretor de Comunicação e Propaganda: José Carlos- São Bernardo do Campo
Diretor Adjunto de Comunicação e Propaganda: Alex Rogério Carleto - Zona Leste
Diretor de Políticas Pedagógicas: Ivo Santos - Zona Norte
Diretor Adjunto de Políticas Pedagógicas: Aldo Xavier-Taboão da Serra
Diretor de Relações Institucionais: Rita Diniz - Salto
Diretor Adjunto de relações Institucionais: Eduardo-Osasco
Diretor de Relações Sociais e Movimentos Sindicais: Nayara Navarro-SBCAMPO
Diretor Adjunto de Relações Sociais e Movimentos Sindicais: Cícero Rodrigues-ZONA SUL
Diretor Organizativo da Capital: Alba Valéria - Itaquera
Diretor Adjunto Organizativo da Capital: Rubens Roque-Zona Sul
Diretor Organizativo da Grande São Paulo: Gilmar Soares-Santo André
Diretor Adjunto Organizativo da Grande São Paulo: Antonio Élson Oliveira- Guarulhos
Diretor Adjunto Organizativo da Grande São Paulo: Valmir João Schmitt-Osasco
Diretor Organizativo do Interior: Ademir Alves de Lima, (Vale do Paraíba)
Diretor Adjunto Organizativo do Interior: Gabriel Bistafa (Sorocaba e região):
Diretor Adjunto Organizativo do Interior: Maria Lucia B.V. de Brito (Região Metropolitana de Campinas)
Diretor Adjunto Organizativo do Interior: Antonio Fernando Capellari, Jaú.
Diretor de relações Acadêmicas: Hugo Allan, Professor do Estado e da Universidade Metodista.

EM BREVE PUBLICAREMOS O DIA, HORA E LOCAL DA POSSE DA NOVA DIRETORIA E DIRETORES (AS) DE BASE, ELEITA EM 24/10/2013, PARA O PRÓXIMO BIÊNIO (2013/2015)




terça-feira, 22 de outubro de 2013

SECRETÁRIO DE TRANSPORTE DE SBCAMPO DISSE QUE É FAVORÁVEL AO PASSE LIVRE PARA ESTUDANTES E DESEMPREGADOS.

AVANÇA A LUTA PELO PASSE LIVRE EM SÃO BERNARDO DO CAMPO.

Dezenas de jovens tomaram as ruas da cidade de São Bernardo do Campo na luta pelo passe livre para estudante e desempregados no município. Mais uma vez foi notadamente ostensiva a presença e ação da   repressão policial  com o auxilio direto  da guarda municipal.
Conforme estava marcado, por volta das 10 horas o movimento chegou  ao pátio da câmara municipal  onde outra barreira estava posta. O movimento reivindicava que todos  estudantes  adentrassem  ao anexo da câmara municipal ,  sendo impedidos pela guarda municipal que  de forma truculenta destratava o movimento.
Uma comissão de três representantes entrou para negociar a entrada dos demais ao recinto. Depois de idas e vindas o presidente da câmara autorizou a entrada de todos os estudantes ao prédio para acompanhar  a plenária com a presença de vereadores e do secretário de transporte  do município.
O presidente da câmara, vereador Tião Mateus começou desabafando, ao afirmar que “essa casa é democrática, recebe todos e todas e que a sua história é de luta, pois participou de várias lutas inclusive fez alusão a passeata juntamente com o ex-vereador Aldo Santos na Anchieta em apoio aos moradores da Vila Lulaldo”.
O secretário de Transporte Sr. Oscar, entregou documentos às lideranças do movimento sobre o transporte na cidade, falou que a tarifa zero teria um custo de 250 milhões ao ano, além de outros gastos já constantes do orçamento municipal. 
Usei a palavra reafirmando a bandeira do passe livre rumo à tarifa zero na cidade e disse que  falta  vontade política por parte  da  câmara e da administração na implementação desse projeto, uma vez que  a luta pelo passe livre vem desde o final da década de 80, pois,na condição de vereador  da cidade apresentei o projeto do passe livre estudantil, que foi aprovado pela câmara municipal e vetado pelo prefeito Mauricio Soares  do PT. A pressão dos estudantes levou a derrubada ao veto do Prefeito, e, não satisfeito, o prefeito Mauricio Soares entrou na justiça para não cumprir a lei promulgada pelo legislativo.
 Chamei atenção também para que se respeite a juventude e a população, pois a violência é grande com o movimento organizado, como ocorreu no dia 1° de julho de 2013, onde a juventude foi  violentamente reprimida e o prefeito Marinho ainda zombou do movimento agredido. O companheiro Chicão relatou também sobre a agressão sofrida pelo presidente do Psol de Santo André, Marcelo Reina, pelo segurança do MARINHO, dentro do consórcio intermunicipal.
 Dentre os vereadores que fizeram uso da palavra "o vereador  Pery Catola disse que levantou a luta e o projeto do ex-vereador Aldo Santos e reapresentou o mesmo na câmara municipal,porém, o projeto  protocolizado recebeu parecer jurídico contraio a sua tramitação".
 A defesa do passe livre para estudantes e desempregados rumo a tarifa zero  é um debate necessário e estratégico, haja vista os gargalos  da mobilidade urbana que vem causando grandes transtornos  no transporte, e, somente um transporte público, eficiente, de qualidade  e gratuito poderá  apresentar uma nova perspectiva  de solução para essa  dura realidade.
Finalmente, após debates e falas das mais variadas lideranças,  foi marcada uma nova plenária com o Secretário  de transporte, que apresentará  detalhes da viabilidade  do passe livre para estudantes e desempregados na cidade. Em principio, o Secretário afirmou que tem opinião favorável a implantação do referido projeto .
  A nova plenária será realizada no dia 12 de novembro de 2013, às 14 horas na Câmara municipal de São Bernardo do Campo. Entendemos que a vitória  dessa  reivindicação está condicionada  a capacidade de união e organização dos estudantes  e do movimento social solidário. Esse ato contou com apoio da Anel, Apeoesp-sbc, Comitê regional unificado contra o aumento da Passagem , Movimento Estudantil Livre e Espaço-50.

Lutar e conquistar é preciso!


Aldo Santos- ex-vereador em SBC, Presidente Associação dos Professores de Filosofia  e Filósofos do Estado de São Paulo, Presidente da Associação dos Professores de Filosofia e Filósofos do Brasil e militante do Psol.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

4° Congresso Estadual do Psol.

4° Congresso Estadual do Psol.
O “4° Congresso Estadual do Psol” aconteceu no dia 20 de outubro de 2013, na quadra dos bancários, na capital.
O encontro reuniu 410 delegadas e delegados representando 170 municípios do interior, litoral, capital e a Grande São Paulo.
Numa conjuntura de grandes enfrentamentos  e resistência  da classe trabalhadora, o tempo foi insuficiente para debater e aprovar resoluções consistentes para enfrentar esse importante  momento .
De qualquer forma, eis o resultado: Três chapas foram inscritas para a disputa da direção estadual e para a eleição de delegados ao IV Congresso Nacional do PSOL.
Chapa 1 – Unidade Socialista – 231 votos – 57% – 23 membros no diretório – 47 delegados
Chapa 2 – Para o PSOL Continuar Necessário – 10 votos – 2% – 1 membro no diretório – 2 delegados
Chapa 3 – Bloco de Esquerda – 168 votos – 41% – 17 membros no diretório – 35 delegados


Aldo  Santos

Militante do Psol

sábado, 19 de outubro de 2013

Presidente uruguaio criticou o capitalismo e o individualismo em discurso que empolgou nas Nações Unidas

leia a íntegra do discurso de José Mujica na ONU
Amigos, sou do sul, venho do sul. Esquina do Atlântico e do Prata, meu país é uma planície suave, temperada, uma história de portos, couros, charque, lãs e carne. Houve décadas púrpuras, de lanças e cavalos, até que, por fim, no arrancar do século 20, passou a ser vanguarda no social, no Estado, no Ensino. Diria que a social-democracia foi inventada no Uruguai.
Presidente uruguaio criticou o capitalismo e o individualismo em discurso que empolgou nas Nações Unidas

Pepe Mujica
Durante quase 50 anos, o mundo nos viu como uma espécie de Suíça. Na realidade, na economia, fomos bastardos do império britânico e, quando ele sucumbiu, vivemos o amargo mel do fim de mudanças funestas, e ficamos estancados, sentindo falta do passado.
Quase 50 anos recordando o Maracanã, nossa façanha esportiva. Hoje, ressurgimos no mundo globalizado, talvez aprendendo de nossa dor. Minha história pessoal, a de um rapaz — porque, uma vez, fui um rapaz — que, como outros, quis mudar seu tempo, seu mundo, o sonho de uma sociedade libertária e sem classes. Meus erros são, em parte, filhos de meu tempo. Obviamente, os assumo, mas há vezes que medito com nostalgia.
Leia a íntegra do discurso de José Mujica na ONU Justin LANE/POOL
José Mujica durante discurso na ONU
Quem tivera a força de quando éramos capazes de abrigar tanta utopia! No entanto, não olho para trás, porque o hoje real nasceu das cinzas férteis do ontem. Pelo contrário, não vivo para cobrar contas ou para reverberar memórias.
Me angustia, e como, o amanhã que não verei, e pelo qual me comprometo. Sim, é possível um mundo com uma humanidade melhor, mas talvez, hoje, a primeira tarefa seja cuidar da vida.
Mas sou do sul e venho do sul, a esta Assembleia, carrego inequivocamente os milhões de compatriotas pobres, nas cidades, nos desertos, nas selvas, nos pampas, nas depressões da América Latina pátria de todos que está se formando.
Carrego as culturas originais esmagadas, com os restos de colonialismo nas Malvinas, com bloqueios inúteis a este jacaré sob o sol do Caribe que se chama Cuba. Carrego as consequências da vigilância eletrônica, que não faz outra coisa que não despertar desconfiança. Desconfiança que nos envenena inutilmente. Carrego uma gigantesca dívida social, com a necessidade de defender a Amazônia, os mares, nossos grandes rios na América.
Carrego o dever de lutar por pátria para todos.
Para que a Colômbia possa encontrar o caminho da paz, e carrego o dever de lutar por tolerância, a tolerância é necessária para com aqueles que são diferentes, e com os que temos diferências e discrepâncias. Não se precisa de tolerância com aqueles com quem estamos de acordo.
A tolerância é o fundamento de poder conviver em paz, e entendendo que, no mundo, somos diferentes.
O combate à economia suja, ao narcotráfico, ao roubo, à fraude e à corrupção, pragas contemporâneas, procriadas por esse antivalor, esse que sustenta que somos felizes se enriquecemos, seja como seja. Sacrificamos os velhos deuses imateriais. Ocupamos o templo com o deus mercado, que nos organiza a economia, a política, os hábitos, a vida e até nos financia em parcelas e cartões a aparência de felicidade.
Parece que nascemos apenas para consumir e consumir e, quando não podemos, nos enchemos de frustração, pobreza e até autoexclusão.
O certo, hoje, é que, para gastar e enterrar os detritos nisso que se chama pela ciência de poeira de carbono, se aspirarmos nesta humanidade a consumir como um americano médio, seriam imprescindíveis três planetas para poder viver.
Nossa civilização montou um desafio mentiroso e, assim como vamos, não é possível satisfazer esse sentido de esbanjamento que se deu à vida. Isso se massifica como uma cultura de nossa época, sempre dirigida pela acumulação e pelo mercado.
Prometemos uma vida de esbanjamento, e, no fundo, constitui uma conta regressiva contra a natureza, contra a humanidade no futuro. Civilização contra a simplicidade, contra a sobriedade, contra todos os ciclos naturais.
O pior: civilização contra a liberdade que supõe ter tempo para viver as relações humanas, as únicas que transcendem: o amor, a amizade, aventura, solidariedade, família.
Civilização contra tempo livre que não é pago, que não se pode comprar, e que nos permite contemplar e esquadrinhar o cenário da natureza.
Arrasamos a selva, as selvas verdadeiras, e implantamos selvas anônimas de cimento. Enfrentamos o sedentarismo com esteiras, a insônia com comprimidos, a solidão com eletrônicos, porque somos felizes longe da convivência humana.
Cabe se fazer esta pergunta, ouvimos da biologia que defende a vida pela vida, como causa superior, e a suplantamos com o consumismo funcional à acumulação.
A política, eterna mãe do acontecer humano, ficou limitada à economia e ao mercado. De salto em salto, a política não pode mais que se perpetuar, e, como tal, delegou o poder, e se entretém, aturdida, lutando pelo governo. Debochada marcha de historieta humana, comprando e vendendo tudo, e inovando para poder negociar de alguma forma o que é inegociável. Há marketing para tudo, para os cemitérios, os serviços fúnebres, as maternidades, para pais, para mães, passando pelas secretárias, pelos automóveis e pelas férias. Tudo, tudo é negócio.
Todavia, as campanhas de marketing caem deliberadamente sobre as crianças, e sua psicologia para influir sobre os adultos e ter, assim, um território assegurado no futuro. Sobram provas de essas tecnologias bastante abomináveis que, por vezes, conduzem a frustrações e mais.
O homenzinho médio de nossas grandes cidades perambula entre os bancos e o tédio rotineiro dos escritórios, às vezes temperados com ar condicionado. Sempre sonha com as férias e com a liberdade, sempre sonha com pagar as contas, até que, um dia, o coração para, e adeus. Haverá outro soldado abocanhado pelas presas do mercado, assegurando a acumulação. A crise é a impotência, a impotência da política, incapaz de entender que a humanidade não escapa nem escapará do sentimento de nação. Sentimento que está quase incrustado em nosso código genético.
Hoje é tempo de começar a talhar para preparar um mundo sem fronteiras. A economia globalizada não tem mais condução que o interesse privado, de muitos poucos, e cada Estado Nacional mira sua estabilidade continuísta, e hoje a grande tarefa para nossos povos, em minha humilde visão, é o todo.
Como se isto fosse pouco, o capitalismo produtivo, francamente produtivo, está meio prisioneiro na caixa dos grandes bancos. No fundo, são o vértice do poder mundial. Mais claro, cremos que o mundo requer a gritos regras globais que respeitem os avanços da ciência, que abunda. Mas não é a ciência que governa o mundo. Se precisa, por exemplo, uma larga agenda de definições, quantas horas de trabalho e toda a terra, como convergem as moedas, como se financia a luta global pela água e contra os desertos.
Como se recicla e se pressiona contra o aquecimento global. Quais são os limites de cada grande questão humana. Seria imperioso conseguir consenso planetário para desatar a solidariedade com os mais oprimidos, castigar impositivamente o esbanjamento e a especulação. Mobilizar as grandes economias não para criar descartáveis com obsolescência calculada, mas bens úteis, sem fidelidade, para ajudar a levantar os pobres do mundo. Bens úteis contra a pobreza mundial. Mil vezes mais rentável que fazer guerras. Virar um neo-keynesianismo útil, de escala planetária, para abolir as vergonhas mais flagrantes deste mundo.
Talvez nosso mundo necessite menos de organismos mundiais, desses que organizam fórums e conferências, que servem muito às cadeias hoteleiras e às companhias aéreas e, no melhor dos casos, não reúne ninguém e transforma em decisões...
Precisamos sim mascar muito o velho e o eterno da vida humana junto da ciência, essa ciência que se empenha pela humanidade não para enriquecer; com eles, com os homens de ciência da mão, primeiros conselheiros da humanidade, estabelecer acordos para o mundo inteiro. Nem os Estados nacionais grandes, nem as transnacionais e muito menos o sistema financeiro deveriam governar o mundo humano. Sim, a alta política entrelaçada com a sabedoria científica, ali está a fonte. Essa ciência que não apetece o lucro, mas que mira o por vir e nos diz coisas que não escutamos. Quantos anos faz que nos disseram coisas que não entendemos? Creio que se deve convocar a inteligência ao comando da nave acima da terra, coisas assim e coisas que não posso desenvolver nos parecem impossíveis, mas requeririam que o determinante fosse a vida, não a acumulação.
Obviamente, não somos tão iludidos, nada disso acontecerá, nem coisas parecidas. Nos restam muitos sacrifícios inúteis daqui para diante, muitos remendos de consciência sem enfrentar as causas. Hoje, o mundo é incapaz de criar regras planetárias para a globalização e isso é pela enfraquecimento da alta política, isso que se ocupa de todo. Por último, vamos assistir ao refúgio de acordos mais ou menos "reclamáveis", que vão plantear um comércio interno livre, mas que, no fundo, terminarão construindo parapeitos protecionistas, supranacionais em algumas regiões do planeta. A sua vez, crescerão ramos industriais importantes e serviços, todos dedicados a salvar e a melhorar o meio ambiente. Assim vamos nos consolar por um tempo, estaremos entretidos e, naturalmente, continuará a parecer que a acumulação é boa, para a alegria do sistema financeiro.
Continuarão as guerras e, portanto, os fanatismos, até que, talvez, a mesma natureza faça um chamado à ordem e torne inviáveis nossas civilizações. Talvez nossa visão seja demasiado crua, sem piedade, e vemos ao homem como uma criatura única, a única que há acima da terra capaz de ir contra sua própria espécie. Volto a repetir, porque alguns chamam a crise ecológica do planeta de consequência do triunfo avassalador da ambição humana. Esse é nosso triunfo e também nossa derrota, porque temos impotência política de nos enquadrarmos em uma nova época. E temos contribuído para sua construção sem nos dar conta.
Por que digo isto? São dados, nada mais. O certo é que a população quadruplicou e o PIB cresceu pelo menos vinte vezes no último século. Desde 1990, aproximadamente a cada seis anos o comércio mundial duplica. Poderíamos seguir anotando dados que estabelecem a marcha da globalização. O que está acontecendo conosco? Entramos em outra época aceleradamente, mas com políticos, enfeites culturais, partidos e jovens, todos velhos ante a pavorosa acumulação de mudanças que nem sequer podemos registrar. Não podemos manejar a globalização porque nosso pensamento não é global. Não sabemos se é uma limitação cultural ou se estamos chegano a nossos limites biológicos.
Nossa época é portentosamente revolucionária como não conheceu a história da humanidade. Mas não tem condução consciente, ou ao menos condução simplesmente instintiva. Muito menos, todavia, condução política organizada, porque nem se quer tivemos filosofia precursora ante a velocidade das mudanças que se acumularam.
A cobiça, tão negativa e tão motor da história, essa que impulsionou o progresso material técnico e científico, que fez o que é nossa época e nosso tempo e um fenomenal avanço em muitas frentes, paradoxalmente, essa mesma ferramenta, a cobiça que nos impulsionou a domesticar a ciência e transformá-la em tecnologia nos precipita a um abismo nebuloso. A uma história que não conhecemos, a uma época sem história, e estamos ficando sem olhos nem inteligência coletiva para seguir colonizando e para continuar nos transformando.
Porque se há uma característica deste bichinho humano é a de que é um conquistador antropológico.
Parece que as coisas tomam autonomia e essas coisas subjugam os homens. De um lado a outro, sobram ativos para vislumbrar tudo isso e para vislumbrar o rombo. Mas é impossível para nós coletivizar decisões globais por esse todo. A cobiça individual triunfou grandemente sobre a cobiça superior da espécie. Aclaremos: o que é "tudo", essa palavra simples, menos opinável e mais evidente? Em nosso Ocidente, particularmente, porque daqui viemos, embora tenhamos vindo do sul, as repúblicas que nasceram para afirmas que os homens são iguais, que ninguém é mais que ninguém, que os governos deveriam representar o bem comum, a justiça e a igualdade. Muitas vezes, as repúblicas se deformam e caem no esquecimento da gente que anda pelas ruas, do povo comum.
Não foram as repúblicas criadas para vegetar, mas ao contrário, para serem um grito na história, para fazer funcionais as vidas dos próprios povos e, por tanto, as repúblicas que devem às maiorias e devem lutar pela promoção das maiorias.
Seja o que for, por reminiscências feudais que estão em nossa cultura, por classismo dominador, talvez pela cultura consumista que rodeia a todos, as repúblicas frequentemente em suas direções adotam um viver diário que exclui, que se distância do homem da rua.
Esse homem da rua deveria ser a causa central da luta política na vida das repúblicas. Os gobernos republicanos deveriam se parecer cada vez mais com seus respectivos povos na forma de viver e na forma de se comprometer com a vida.
A verdade é que cultivamos arcaísmos feudais, cortesias consentidas, fazemos diferenciações hierárquicas que, no fundo, amassam o que têm de melhor as repúblicas: que ninguém é mais que ninguém. O jogo desse e de outros fatores nos retém na pré-história. E, hoje, é impossível renunciar à guerra cuando a política fracassa. Assim, se estrangula a economia, esbanjamos recursos.
Ouçam bem, queridos amigos: em cada minuto no mundo se gastam US$ 2 milhões em ações militares nesta terra. Dois milhões de dólares por minuto em inteligência militar!! Em investigação médica, de todas as enfermidades que avançaram enormemente, cuja cura dá às pessoas uns anos a mais de vida, a investigação cobre apenas a quinta parte da investigação militar.
Este processo, do qual não podemos sair, é cego. Assegura ódio e fanatismo, desconfiança, fonte de novas guerras e, isso também, esbanjamento de fortunas. Eu sei que é muito fácil, poeticamente, autocriticarmo-nos pessoalmente. E creio que seria uma inocência neste mundo plantear que há recursos para economizar e gastar em outras coisas úteis. Isso seria possível, novamente, se fôssemos capazes de exercitar acordos mundiais e prevenções mundiais de políticas planetárias que nos garantissem a paz e que a dessem para os mais fracos, garantia que não temos. Aí haveria enormes recursos para deslocar e solucionar as maiores vergonhas que pairam sobre a Terra. Mas basta uma pergunta: nesta humanidade, hoje, onde se iria sem a existência dessas garantias planetárias? Então cada qual esconde armas de acordo com sua magnitude, e aqui estamos, porque não podemos raciocinar como espécie, apenas como indivíduos.
As instituições mundiais, particularmente hoje, vegetam à sombra consentida das dissidências das grandes nações que, obviamente, querem reter sua cota de poder.
Bloqueiam esta ONU que foi criada com uma esperança e como um sonho de paz para a humanidade. Mas, pior ainda, desarraigam-na da democracia no sentido planetário porque não somos iguais. Não podemos ser iguais nesse mundo onde há mais fortes e mais fracos. Portanto, é uma democracia ferida e está cerceando a história de um possível acordo mundial de paz, militante, combativo e verdadeiramente existente. E, então, remendamos doenças ali onde há eclosão, tudo como agrada a algumas das grandes potências. Os demais olham de longe. Não existimos.
Amigos, creio que é muito difícil inventar uma força pior que nacionalismo chovinista das grandes potências. A força é que liberta os fracos. O nacionalismo, tão pai dos processos de descolonização, formidável para os fracos, se transforma em uma ferramenta opressora nas mãos dos fortes e, nos últimos 200 anos, tivemos exemplos disso por toda a parte.
A ONU, nossa ONU, enlanguece, se burocratiza por falta de poder e de autonomia, de reconhecimento e, sobretudo, de democracia para o mundo mais fraco que constitui a maioria esmagadora do planeta. Mostro um pequeno exemplo, pequenino. Nosso pequeno país tem, em termos absolutos, a maior quantidade de soldados em missões de paz em todos os países da América Latina. E ali estamos, onde nos pedem que estejamos. Mas somos pequenos, fracos. Onde se repartem os recursos e se tomam as decisões, não entramos nem para servir o café. No mais profundo de nosso coração, existe um enorme anseio de ajudar para que o homem saia da pré-história. Eu defino que o homem, enquanto viver em clima de guerra, está na pré-história, apesar dos muitos artefatos que possa construir.
Até que o homem não saia dessa pré-história e arquive a guerra como recurso quando a política fracassa, essa é a larga marcha e o desafio que temos daqui adiante. E o dizemos com conhecimento de causa. Conhecemos a solidão da guerra. No entanto, esses sonhos, esses desafios que estão no horizonte implicam lutar por uma agenda de acordos mundiais que comecem a governar nossa história e superar, passo a passo, as ameaças à vida. A espécie como tal deveria ter um governo para a humanidade que superasse o individualismo e primasse por recriar cabeças políticas que acudam ao caminho da ciência, e não apenas aos interesses imediatos que nos governam e nos afogam.
Paralelamente, devemos entender que os indigentes do mundo não são da África ou da América Latina, mas da humanidade toda, e esta deve, como tal, globalizada, empenhar-se em seu desenvolvimento, para que possam viver com decência de maneira autônoma. Os recursos necessários existem, estão neste depredador esbanjamento de nossa civilização.
Há poucos dias, fizeram na Califórnia, em um corpo de bombeiros, uma homenagem a uma lâmpada elétrica que está acesa há cem anos. Cem anos que está acesa, amigo! Quantos milhões de dólares nos tiraram dos bolsos fazendo deliberadamente porcarias para que as pessoas comprem, comprem, comprem e comprem.
Mas esta globalização de olhar para todo o planeta e para toda a vida significa uma mudança cultural brutal. É o que nos requer a história. Toda a base material mudou e cambaleou, e os homens, com nossa cultura, permanecem como se não houvesse acontecido nada e, em vez de governarem a civilização, deixam que ela nos governe. Há mais de 20 anos que discutimos a humilde taxa Tobin. Impossível aplicá-la no tocante ao planeta. Todos os bancos do poder financeiro se irrompem feridos em sua propriedade privada e sei lá quantas coisas mais. Mas isso é paradoxal. Mas, com talento, com trabalho coletivo, com ciência, o homem, passo a passo, é capaz de transformar o deserto em verde.
O homem pode levar a agricultura ao mar. O homem pode criar vegetais que vivam na água salgada. A força da humanidade se concentra no essencial. É incomensurável. Ali estão as mais portentosas fontes de energia. O que sabemos da fotossíntese? Quase nada. A energia no mundo sobra, se trabalharmos para usá-la bem. É possível arrancar tranquilamente toda a indigência do planeta. É possível criar estabilidade e será possível para as gerações vindouras, se conseguirem raciocinar como espécie e não só como indivíduos, levar a vida à galáxia e seguir com esse sonho conquistador que carregamos em nossa genética.
Mas, para que todos esses sonhos sejam possíveis, precisamos governar a nos mesmos, ou sucumbiremos porque não somos capazes de estar à altura da civilização em que fomos desenvolvendo.
Este é nosso dilema. Não nos entretenhamos apenas remendando consequências. Pensemos na causa profundas, na civilização do esbanjamento, na civilização do usa-tira que rouba tempo mal gasto de vida humana, esbanjando questões inúteis. Pensem que a vida humana é um milagre. Que estamos vivos por um milagre e nada vale mais que a vida. E que nosso dever biológico, acima de todas as coisas, é respeitar a vida e impulsioná-la, cuidá-la, procriá-la e entender que a espécie é nosso "nós".
Obrigado.
Tradução: Fernanda Grabauska



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Para onde foram os sindicatos?

Para onde foram os sindicatos?

O movimento manteve o número de filiações, deslocou-se para o Nordeste e chegou ao poder. Mas como reage à nova morfologia do trabalho?

Matheus Pichonelli

Capa do livro 'O Continente do Labor', do sociólogo da Unicamp Ricardo Antunes. Ele participou do debate sobre os sindicatos durante a Anpocs
Para onde foram os sindicatos? A pergunta reuniu, na quinta-feira 26, os professores Iram Jácome Rodrigues (USP), Ricardo Antunes (Unicamp) e Adalberto Cardoso (IESP-UERJ) para uma mesa redonda do 37º Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), em Águas de Lindoia, no interior de São Paulo.
A primeira resposta foi esboçada por Jácome Rodrigues, professor da Faculdade de Economia da USP. Ele apresentou números preliminares de um levantamento que mostra um deslocamento dos sindicatos e trabalhadores sindicalizados dos grandes centros industriais do Sudeste em direção o Nordeste, a maioria deles trabalhadores rurais ou servidores públicos. O estudo, ainda em fase de conclusão, sugere uma alavanca dos sindicatos a partir das políticas de transferência de renda e criação de postos de trabalho na região durante os governos Lula e Dilma.
Crise? Diferentemente do que se imagina, o número de profissionais sindicalizados não tem caído no Brasil. Ainda assim, segundo o sociólogo Adalberto Cardoso, “o movimento sindical brasileiro vive um aparente paradoxo”. O professor apresentou números que, segundo ele, contestam a ideia de que as entidades representativas sofrem uma crise de atuação nos tempos atuais. “Se tomarmos as taxas de filiação sindical, os resultados das negociações coletivas, as taxas de greves ou a presença de sindicalistas nas esferas de representação política (o parlamento ou a administração estatal), o que se vê, em lugar da crise, é um movimento consolidado e atuante”.
Segundo o professor, se considerada o total da população ocupada adulta, a taxa de sindicalização hoje é de 17,4%, a mesma registrada em 1988, auge do sindicalismo no País. para exemplificar a atuação ativa, ele citou os protestos de 11 de junho, quando os sindicatos levaram 100 mil pessoas às ruas de todo o país em plena quinta-feira para pedir a redução da jornada de trabalho e do fator previdenciário.
“Os sindicatos não perderam a capacidade de ação coletiva. Em 2012, ocorreram quase 900 greves no país, 75% delas vitoriosas.”
Em 2012, citou Cardoso, 94,6% das negociações coletivas tiveram reajuste acima da inflação.
O especialista contestou ainda a ideia de que os sindicatos foram cooptados pelo governo, abandonaram “as energias utópicas” da revolução e se tornaram apenas pragmáticos. Segundo o professor, a crise do Estado do Bem-Estar Social é “multidimensional” e desatou a crise da ética do trabalho assalariado. A lógica do neoliberalismo, afirmou, passou a privilegiar a ética da acumulação, o empreendedorismo individual e a lógica da meritocracia e da competição pequeno-burguesa.
Em meio a este processo, a trincheira do movimento sindical é contra a diminuição dos direitos trabalhistas adquiridos, no Brasil, durante a era Vargas. “A utopia brasileira é a utopia do trabalho assalariado regulado.” Essa utopia, disse, se materializou com a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência. O aumento no número de assalariados com carteira assinada coincidiu com a inclusão de sindicalistas ao primeiro escalão do governo, como Luiz Marinho, Luiz Gushiken, Ricardo Berzoini e Jaques Wagner. “Acho estranho, portanto, que se trate como cooptação ou crise do sindicalismo uma história de sucesso de um projeto político. Pode-se gostar dele, pode-se criticá-lo, mas essa crítica não leva em conta que a utopia brasileira, a utopia real, vivida por gerações sucessivas, foi e segue sendo a utopia do trabalho assalariado regulado pelo Estado, a melhor das alternativas disponíveis.”
Crise, sim. Em resposta, o sociólogo Ricardo Antunes, da Unicamp, afirmou: “Há uma crise sindical? Há. É terminal? Não. Mas é profunda”. Segundo Antunes, com a mudança do capitalismo a partir dos anos 70, mudou também a forma de atuação do sindicato. No período, houve uma reestruturação do processo produtivo no cenário global. A financeirização da economia se tornou o elemento de fundação decisivo da exploração dos trabalhadores. Como exemplo, citou que hoje, no Japão, 30% dos trabalhadores estão na informalidade. “No México, a mensagem do governo às empresas estrangeiras, em outras palavras, é: ‘Venham aqui porque aqui podemos explorar mais’.”
A lógica hoje, afirmou, é a expansão de empresas enxutas, com menos custos e mais chances de sobrevivência em um mercado trasnacionalizado. “A participação dos trabalhadores nas decisões das empresas só é bem-vinda quando o assunto é irrelevante.”
O modelo de trabalho nessa lógica criou o que ele chama de “precariado”. Enquanto isso, os sindicatos perdem força à medida que optam por negociar ou firmar parcerias, em uma linha de menor resistência, com o Estado. “Na Europa, o trabalho sujo que ninguém queria fazer agora é disputado a tapa. Há uma classe xenófoba em parte dos sindicatos na Europa para manter estes postos.”
Antunes contestou a ideia de que, sob o governo Lula, o movimento chegou ao poder ao lembrar que no período foram cooptadas entidades dispostas a ceder apoio a quem estivesse no governo independentemente do projeto. Caso, segundo ele, da Força Sindical.
“As manifestações evidenciaram a crise dos sindicatos na medida em que há uma nova morfologia do trabalho, um novo proletariado de serviços urbanos, dos trabalhadores do comércio, dos hipermercados, do callcenters. Nessa área de serviços urbanos que se mercadorizaram, que são mais ou menos novos, não se encontra representação forte nos sindicatos. Se você quer lutar contra a degradação da vida urbana, a mercadorização e a privatização do transporte, da saúde, os sindicatos estão muito fechados a essas questões.”
Segundo Antunes, o caminho natural para este esta revolta são as ruas. “As lutas sociais desde 2007, 2008, são a ocupação das praças públicas, numa maneira de dizer que o sistema político tradicional não nos representa. Isso tem sido assim na Europa, nos Estados Unidos, no Oriente Médio. Para além de todas as diferenças desses movimentos, ocupar o espaço público é um traço forte.”
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