terça-feira, 9 de maio de 2017

A história faz a luta:depoimento do professor Aldo Santos

A história faz a luta:depoimento do professor Aldo Santos

... Em São Bernardo cheguei depois, em 1989, procurei a APEOESP e encontrei um grupo de companheiros ativos, e já comecei a participar. Lecionei na escola Pedra de Carvalho até a aposentadoria, sempre mantive sede nessa escola, mas passei praticamente por todas por conta da ação política, tendo em vista desenvolver essa prática sindical na cidade e a organização do sindicato, o que me custou certo sacrifício...”
Aldo Josias dos Santos- Nasci em Brejo Santo, Ceará, e migrei ainda criança com minha família para o interior de São Paulo, chegamos a São Bernardo na década de 70. Trabalhei como bóia fria, auxiliar de protético, atendente e auxiliar de enfermagem, antes de ser professor.
Sempre gostei de participar de atividades populares, movimentos e Comunidades Eclesiais de Base e na vida partidária. Trabalhei no Hospital do Mandaqui, no final dos anos 70, e juntamente com o Jurandir, Duarte, Enéas, Eunice, Anacleto Vieira, Djair Amorim, Dr. Washington, lideramos a primeira greve, em 1977, depois de 40 anos de existência do hospital. Não tínhamos direito à sindicalização, então fundamos a Associação dos Funcionários do Complexo do Mandaqui, da qual fui presidente. Depois lideramos o processo da fundação da ASSES – Associação do Servidor da Saúde do Estado de SP, que integrava as entidades fundadas pelos vários hospitais, uma espécie de embrião para a luta sindical do servidor público do Estado de São Paulo. Enfrentamos os governos de Paulo Egydio, Maluf, Franco Montoro, e dentro do hospital fiquei muito marcado, inclusive pela denúncia da situação de abandono, que foi publicada pela Folha de São Paulo, em reportagem do jornalista Ricardo Kotscho. Fui processado e defendido pelo então jovem advogado, Luiz Eduardo Greenhalgh. Por conta das nossas ações fui chamado a depor no DOPS, além de ser punido por várias vezes. Em uma delas fui afastado por 30 dias, sem receber salário, eu era recém casado e quando chegou o final do mês os companheiros bateram à minha porta com um montante que haviam cotizado, fiquei muito contente com aquele gesto de solidariedade.
Em 1980, fui fazer Teologia, porque eu participava das Comunidades Eclesiais de Base - CEBs, e comecei a fazer Filosofia na FAI.
Em 1984 fui punido mais uma vez, saí de férias e quando retornei havia sido transferido compulsoriamente para o Centro de Saúde no Heliópolis, onde trabalhavam apenas seis funcionários. Percebi que minha ação na saúde tinha esgotado aquele ciclo.
Como eu havia concluído Filosofia, pensei em lecionar. Sempre que via o movimento dos professores, com aquela multidão de gente, eu pensava quem sabe um dia possa estar junto.
Ainda em 1985, comecei a lecionar em Diadema, nas disciplinas de Filosofia, História e Geografia, quando ficou incompatível minha permanência na saúde. Tive uma forte pneumonia e fui comunicado que teria que optar entre a secretaria da Saúde ou da Educação, e optei pela segunda. Primeiro, em Diadema, onde participei ativamente para a organização da APEOESP, concorri nas eleições regionais e só perdi para o Tonhão, que já era histórico na cidade, fizemos grandes lutas, num trabalho muito articulado. Ajudamos a juventude a organizar um movimento chamado Movimento Estudantil Livre, em 1986/87, que foi maciço, com a participação de grandes líderes da cidade. Percebi que a juventude era e continua sendo um grande aliado dos professores. Eu não gosto de professor que fala mal de aluno. Nós idealizamos o aluno, mas ele busca a escola porque também tem sonhos e necessidades objetivas.
Em São Bernardo cheguei depois, em 1989, procurei a APEOESP e encontrei um grupo de companheiros ativos, e já comecei a participar. Lecionei na querida Escola Estadual Pedra de Carvalho de 1989 até minha aposentadoria, em 2012, onde sempre mantive sede, mas passei praticamente por quase todas as escolas, por conta da ação política, tendo em vista desenvolver essa prática sindical na cidade e a organização do sindicato, o que me custou certo sacrifício.
Vi na Educação uma possibilidade de continuar minha militância política, na utopia de mudar o mundo. Aqui, ajudei a organizar vários encontros pela UMES – União Municipal dos Estudantes Secundaristas, juntamente com a APEOESP.
Nas escolas que lecionava uma das prioridades era a formação dos Grêmios Estudantis e o Conselho de Escolas, por serem canais de divulgação, diálogo e participação democrática.
Comecei minha atuação política partidária nas CEBs, participei na fundação do PT e em 1982 me candidatei a deputado estadual, recebendo cerca de 13 mil votos. Sempre acreditei que não existe incompatibilidade em ser educador e político de esquerda, desde que haja seriedade, compromisso de classe e honestidade.
Em 1988, fui eleito vereador, em São Bernardo, função que exerci por 16 anos, período em que continuei lecionando, não por interesses financeiros, mas para não me desvincular da categoria, pela qual sempre tive muito zelo e lutei para que fosse respeitada e prestigiada.
A minha participação na APEOESP vem com a atuação político-partidária. Embora com algumas resistências, já que muitos achavam que iria usar o sindicato para interesses políticos, como palanque pessoal. Uma grande bobagem porque a ação sindical nunca é unânime, você agrada parte dos professores e desagrada outras. Importante nesse período foi uma convivência político-partidária pedagogicamente defensável e uma intervenção sindical politizada que norteou toda minha vida política.
Quando cheguei à APEOSP SBC participavam a Nilzete, Lucas, César Raya, Alcedo, o Dito, Daniel Giannella, Dezotti, grande parte das pessoas ainda está nesse processo de participação, outros já faleceram. A Nilzete teve um papel importante, educadora muito coerente, era na casa dela que realizávamos reuniões, com direito a chá da tarde, numa roda de discussão política. Aqui, realizamos algumas atividades marcantes, como a solidariedade aos movimentos sociais.
Em 1989, apoiamos e participamos - mandato e sindicato - da ocupação de um terreno no Riacho Grande, que depois veio a ser denominado Vila Lulaldo.
Na década de 90, num domingo à tarde, um grupo de pessoas se reuniu na Subsede, de onde saiu para uma ocupação, às 21 horas, em um caminhão lotado de gente e bugigangas. Ocupamos os prédios vazios, no Jardim Seleta, fiquei com o pessoal durante muito tempo. Entre os ocupantes havia professores também. Fomos expulsos pela polícia e nos dirigimos para o Diretório do PT, depois levantamos uma área de campo de futebol, localizado no Riacho Grande, para não ter problema com a Justiça, na Vila Zilda, onde os sem teto se fixaram. Em 2003, aconteceu o Acampamento Santo Dias, a maior ocupação urbana do Brasil, que reuniu em torno de 7.000 pessoas debaixo de lonas, em uma área em frente à Volks, onde hoje funciona depósito da Casas Bahia. Ali, a APEOESP colocou uma barraca, entre os manifestantes havia vários professores sem teto, tivemos papel importante na infraestrutura. O movimento teve um fim terrível com reintegração de posse à força pela tropa de choque da PM do Estado. Saímos em passeata, não tínhamos para onde ir, eu, o Fernando e outros companheiros, o pessoal acampou na Praça da Matriz, onde até o padre se colocou contra o movimento porque estava espantando os fiéis.
O prefeito da época era Willian Dib.
Sem destino, cerca de 200 manifestantes ocuparam a Subsede, então localizada na Rua Paulo Kruger. Houve um momento que parte da categoria se indispôs dizendo que não era função nossa. O sindicato não pode ter uma “... A minha participação na APEOESP vem com a atuação político-partidária. Embora com algumas resistências, já que muitos achavam que iria usar o sindicato para interesses políticos, como palanque pessoal. Uma grande bobagem porque a ação sindical nunca é unânime, você agrada parte dos professores e desagrada outras...”
preocupação somente do ponto de vista corporativo, mas também com o social, com a solidariedade de classe, tem gente que acha que sindicato é um escritório, não uma ferramenta de luta. A relação da Subsede de São Bernardo com a Central sempre foi de oposição. Na época, ligavam de lá, querendo explicações. Cedemos também o espaço para o Movimento dos Sem Teto Urbanos - MSTU com assembleias de 300 pessoas.
O Sindicato dá um passo à frente, ajudou também na organização do movimento negro. Enquanto vereador e professor, em 89, quando cheguei à Câmara Municipal, as pessoas acendiam velas para a princesa Isabel, levantei a questão argumentado que o herói não era a princesa, pois o que ela queria era se livrar dos escravos a mando da Inglaterra. Nosso grande herói foi Zumbi dos Palmares, assassinado em 1695, na luta pela libertação dos escravos. Tenho um processo histórico grande por isso.
A APEOESP dava respaldo por ser uma entidade respeitada. Apresentei pela primeira vez na cidade, projeto de lei para transformar o dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, já em 1989 (aprovado), e depois em feriado municipal, que felizmente hoje é uma realidade.
Apoiado pela APEOESP apresentei ainda projeto de Lei concedendo Passe Livre a estudantes, que foi aprovado pela Câmara, mas vetado pelo prefeito Maurício Soares; os vereadores derrubaram o veto, mas o prefeito acabou recorrendo a justiça para não cumprir a lei. Na época, os estudantes passaram a noite acampados em frente à Câmara Municipal, pressionando os vereadores para derrubarem o veto do prefeito, “carrasco da juventude “. A APEOESP contribuiu efetivamente também para a capilarização do debate da negritude nas escolas, na região e no Estado de São Paulo.
No que se refere à questão de gênero fizemos grandes debates e manifestações de apoio às lutas das mulheres, bem como participamos da campanha pela eleição direta do Conselho de Escola e pela formação dos Grêmios Estudantis Livres. No que se refere às greves, a Subsede de São Bernardo teve sempre um papel de relevo, não só participou como se destacou no Estado. Sempre foi a primeira a entrar e a última a sair, com energia pela continuidade do movimento.
A greve que teve mais impacto e que foi mais difícil aconteceu em 1993. Nós ficamos 79 dias parados. Em SBC e na região fizemos atos e manifestações. No dia do relançamento do Fusca, com a presença do presidente Itamar e o governador Fleury, na Volks, fizemos uma grande manifestação e passeata e fomos recebidos na porta da empresa pela tropa de choque e cavalaria da PM.
A greve foi duríssima e culminou com a ocupação do Plenário e das dependências da Assembleia Legislativa de São Paulo, onde sem poder sair e na iminência da ocupação pela tropa de choque, dormimos no chão, durante nove dias. O movimento teve um impacto pedagógico na formação de novas lideranças, foi um momento significativo. Dentro da Assembleia eu coordenava a comissão de saúde, muitos professores tinham problemas de pressão alta, e até de diarréia, porque cortaram a água. Uma experiência muito bonita foi a fila interminável de professores, familiares e populares que decidiram passar para os professores confinados no prédio, água e alimento, uma manifestação belíssima.
O ator Plínio Marcos estava declamando um poema “O operário em construção”, no saguão da Assembleia, quando fomos alertados que a tropa de choque tinha acabado de invadir o prédio e dava cinco minutos para sairmos. Foi um momento muito tenso, mas de luta, coragem, ousadia e capacidade organizativa. Em fila indiana fomos tirados à força pela tropa de choque.
Todas as greves que fizemos sempre conquistaram alguma coisa, só perde quem não luta. Além de ter um papel pedagógico militante, a greve coloca em pauta o debate da importância da escola pública, da liberdade democrática, da participação dos professores e da comunidade.
A APEOESP tem uma contribuição incrível na formação de quadros “... A APEOESP contribuiu também para a capilarização do debate da negritude nas escolas, na região...” “... O processo educativo brasileiro tem um problema crônico que é a falta de investimentos. Não podemos pensar a educação sem investimento, hoje a gente batalha para que seja de 10% do PIB...” políticos, novas cabeças, novos dirigentes no Estado e no País. Assumi por várias vezes a coordenação da Subsede e sempre fiz parte da executiva, do conselho estadual de representantes e da Diretoria estadual colegiada.
De quando comecei minha militância na APEOESP, houve uma mudança no perfil da categoria, que era, por exemplo, majoritariamente feminina, 98% formada por mulheres. Esse quadro mudou até por conta do mercado de trabalho que empurrou muitos homens para a área da educação. Além disso, a categoria hoje tem um perfil mais proletário, com a presença significativa de negros e jovens, principalmente na categoria “O”. Essa mudança se processou nos últimos 20 anos.
No início de minha militância havia um perfil mais elitista, saudosista e conservador do professorado, que veio se modificando com a entrada de novos profissionais, devido à ampliação do mercado de trabalho, muitos oriundos das periferias ou de situação econômica não avantajada e que passam também a militar no sindicato. Essa mudança popularizou a figura do professor, que hoje é alguém do meio do povo, tem a fisionomia do coletivo, do operariado, da classe trabalhadora. O sindicato poderia ser muito mais combativo, mas há um freio por parte da Articulação Sindical, que imprime na entidade uma relação de colaboração de classe com os governos.
O processo educativo brasileiro tem um problema crônico que é a falta de investimentos. Não podemos pensar a educação sem investimento, hoje a gente batalha para que seja de 10% do PIB, para se falar em melhoria da escola pública, dotá-la de equipamentos modernos, valorizar a categoria, do ponto de vista salarial, assegurar as condições efetivas de trabalho.
A escola pública passa por um momento difícil marcado pela ofensiva dos governos que pretendem privatizá-la. O primeiro passo é o sucateamento dos estabelecimentos escolares e colocando a culpa da falta de qualidade do ensino nas costas dos professores. Com isso, jogam a opinião pública contra o modelo de escola que se tem, abrindo espaço para a privatização daquilo que é uma grande conquista da população no Brasil. Em SBC tivemos importante papel no combate à violência, ao assédio moral de que, muitas vezes, os professores são vítimas. Recordo-me do caso da delegada de Ensino, Neide Cintra, que tinha pavor do Sindicato, e orientava os diretores de escola a não externarem os conflitos internos das mesmas, para não configurar como ponto negativo do governo do Estado.
Como, em 2001, a tragédia com o professor José Carneiro, atingido na cabeça por um aluno com um molho de chaves, e que foi vítima de uma série de erros, desde o não devido atendimento, à omissão por parte da diretoria da escola e da Delegacia de Ensino, o mascaramento dos fatos, que acabou levando-o à morte. Foi o ápice da violência em São Bernardo. A APEOESP deu todo apoio à família, fizemos atos em frente à escola onde ele lecionava e até no cemitério, na despedida do seu corpo para o estado do Ceará.
Hoje tem uma onda de achar que a violência está na escola, ela está na sociedade, é que a escola reúne todas as “tribos”, e não tem o suporte necessário do governo para enfrentar a situação. Os professores são agredidos verbal e fisicamente cotidianamente. Isso tudo faz parte de uma política de sucateamento do governo para não dar credibilidade aos educadores e à escola pública. Não há número suficiente de funcionários e de professores, nas aulas vagas, por exemplo, os alunos ao ficarem ociosos, com toda energia acumulada acabam se esbarrando em conflitos e brigas. A violência contra o professor é simbólica.
O professor é indiretamente o agente do Estado diante dos alunos, que ao verem suas condições de vida não alcançadas, sem perspectiva de presente e de futuro reagem diretamente contra a representação do Estado que está à sua frente, que é o professor. Cabe ao professor levar o debate da violência dentro da escola para obter o apoio dos alunos e da comunidade.
Neste sentido, fizemos uma campanha que foi muito bem aceita pelos estudantes, “O professor é meu amigo, mexeu com ele mexeu comigo”. Imagine que grande parte dos alunos vive uma vida infernal, e na escola não têm acesso a papel higiênico nos banheiros, sabonete para lavar as mãos, a merenda é à base de enlatados, a biblioteca, muitas vezes, não funciona, não há sala de informática, nem laboratório.
O aluno na escola é transformado em objeto, não um ser em potencial. Com isso, os agentes do Estado que se colocam em defesa do mesmo vão continuar a ser agredidos. O professor não pode ver o aluno como inimigo, nesse processo. O aluno é o nosso grande e insubstituível aliado.
O nosso desafio, enquanto sindicato é lutar pela melhoria das condições salariais, pela diminuição do número de alunos na sala de aula, por condições de trabalho, para que a escola seja devidamente equipada, não podemos confundir escola bonita ou boa com escola pintada.
Vamos assegurar e viabilizar a formação sindical aos professores e aprofundar a parceria com o movimento estudantil; o sindicato deve organizar para além da perspectiva institucional, de defesa corporativa, apoiando os movimentos, dos negros, das mulheres, LGBT, moradia, saúde e lutar por uma melhor educação diferente da que temos hoje.
Vamos ainda levantar nova bandeira contra a redução da maioridade penal e promover o debate contrários a criminalização de nossas crianças e adolescentes. Uma bandeira significativa é o salário estudantil para garantir que o aluno conclua os estudos sem pressão dos pais e da sociedade.
Por mais que a ação direta de diferentes executivas e coordenações da Subsede de São Bernardo tenham sido marcantes, essas realizações e conquistas só foram possíveis graças à ação coletiva de todos os companheiros e companheiras que aqui militaram e militam, desde os funcionários, Clóvis, Lucimara, Sueli, Néia, Sandro, Antonio, Murilo, Talles, e o Jurídico.
A história dos trabalhadores pertence à classe trabalhadora e o sindicato é uma das ferramentas fundamentais no processo de libertação da mesma.
“...O nosso desafio, enquanto sindicato é lutar pela melhoria das condições salariais, pela diminuição do número de alunos na sala de aula, por condições de trabalho, para que a escola seja devidamente equipada,...”
Depoimento publicado no livro: SANTOS, Aldo. A LUTA FAZ A HISTÓRIA - APEOESP SUBSEDE SÃO BERNARDO DO CAMPO. SANTOS, Aldo. A LUTA FAZ A HISTÓRIA - APEOESP SUBSEDE SÃO BERNARDO DO CAMPO. São Paulo: Dialógica Ed., 2016. 72.; 30cm ISBN: 978-85-67070-22-3 1. A LUTA FAZ A HISTÓRIA. I. Título. 2. APEOESP SUBSEDE SÃO BERNARDO DO CAMPO. II. Título

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